quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Dons, Carismas e Frutos do Espírito Santo na alma


Os dons infusos ou de santificação são instrumentos poderosos de Deus para a construção da santidade em nossas vidas, eles completam e levam à perfeição as virtudes daqueles que os recebem, tornando os fiéis dóceis para obedecer as inspirações divinas. São eles:


DOM DO TEMOR DO SENHOR


Este dom consiste em um temor filial da alma que receia, rejeita, tem horror de causar uma ofensa ao Pai infinitamente bom, digno de toda fidelidade, quer dizer, consiste num horror ao pecado, que modera os ímpetos desordenados da nossa concupiscência e, nos impede de desgostar a Deus. A alma afasta, com todas as forças, tudo quanto poderia desagradar a Deus. Portanto, esse dom difere totalmente do temor mundano, que é o medo de desgostar os homens; do temor de pena, que é o medo de um mal terreno; do temor servil, que é o medo do castigo (este, muito embora impeça de pecar, não provém do amor).


DOM DA PIEDADE


Este dom produz em nós um amor filial para com Deus, adorando-O com amor sobrenatural e santo fervor, e um amor verdadeiro para com os irmãos, seja quem for, e para com as coisas divinas.


Este dom faz com que a nossa oração seja um diálogo aberto, sincero, confiante de um filho para seu pai, longe de todo comércio interesseiro que embaraça tantas vidas de oração, cujo primeiro objetivo, ao se dirigirem a Deus, parece ser exclusivamente para mendigar socorros, graças. Conduz a nossa oração, em primeiro lugar, para o silêncio e a adoração, e faz-nos pairar acima de toda consideração interesseira, acima de toda necessidade e benefícios, faz-nos olhar, para o autor das graças. Isto não quer dizer que não façamos orações de súplica, de perdão, de intercessão, mas em nossa oração está em primeiro lugar o louvor e a adoração.
Este dom também nos leva a olhar os outros como irmãos e produz em nós um desejo profundo de servi-los, de nos dar generosamente a eles.
Frutos alcançados por esse dom: confiança ilimitada em Deus e abandono em suas mãos; fraternidade; capacidade de nos santificar alegremente dando-nos a nós mesmos sem limites.


DOM DA FORTALEZA


Este dom imprime na alma um impulso, uma força que lhe permite suportar com paciência e alegria, sem murmuração, por amor a Deus, as maiores dificuldades e tribulações, todas as crucifixões da vida e se necessário empreender ações extraordinárias ou atos sobrenaturais heróicos: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fil 4,13); “Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força” (II Cor 12,9).
Frutos alcançados: uma superação constante de nós mesmos em meio aos desafios, às tentações, às provações e os acontecimentos difíceis; uma paz inalterável, sobrenatutal; a disposição firme para colaborar com o que é necessário para a salvação de nossa alma.


DOM DA PRUDÊNCIA OU ESPÍRITO DE CONSELHO


Este dom nos conduz a viver sob a orientação do Espírito Santo. O que falar? O que fazer? É tempo de calar ou de falar? É tempo de plantar ou arrancar? A resposta certa para essas perguntas nos é dada por este dom. É o dom das luzes que nos orienta acertadamente. Desta forma, é por excelência, o dom de governar, pois é muito importante para aqueles que são constituidos em autoridade, concedendo-lhes um governo prudente e sobrenatural, que se preocupa, antes de tudo, com o bem espiritual das almas e da glória de Deus. No entanto, não deixa de ser necessário a todas as almas para a perfeita orientação da vida de acordo com os planos de Deus. A esses concede uma docilidade vigilante em se submeterem a todos os planos de Deus manifestados por seus representantes legítimos.


Frutos alcançados por esse dom: Conhecer com segurança a vontade de Deus para si e para a vida dos seus irmãos; Conhecer os meios de agradar a Deus ultrapassando o que é obrigatório; deixar-se guiar pela mão de Deus, sem resistência, para o caminho de perfeição que Deus chamou.


DONS DE CIÊNCIA, INTELIGÊNCIA E SABEDORIA


Os dons de Ciência, Inteligência e Sabedoria nos fornecem a chave da vida espiritual, da vida de intimidade com Deus, de união com Deus. O dom de ciência não é um conhecimento intelectual, mas nos fornece o conhecimento das coisas criadas nas suas relações com o Criador. Explicando melhor, o dom de ciência nos faz reconhecer que as coisas criadas são vãs em si mesmas. Descobrimos o “nada” que é a criatura e o “tudo” que é Deus. Experimenta-se o vazio da criatura em relação a Deus. Conseguimos perceber a grandiosidade, a majestade de Deus e isso nos conduz a colocar todas as coisas e pessoas no seu devido lugar e importância, porque Deus é a primazia sobre tudo. Isto nos leva a dar glória ao que verdadeiramente é glória, honra o que verdadeiramente é honra, descanso ao que verdadeiramente é descanso, como nos diz Santa Teresa D’Ávila. O dom de


Os dons efusos do Espírito Santo (carismas) são dons extraordinários dados pelo Espírito aos batizados, são também conhecidos como dons de serviço pois servem para a evangelização e o pastoreio da Igreja.


1. DOM DE LÍNGUAS:



“Outrossim, o Espírito vem em auxílio à nossa fraqueza, porque não sabemos pedir, nem orar como convém, mas o Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8,26).
O dom de línguas é um dom de oração. Este dom vem socorrer a nossa dificuldade de orar: nós não sabemos “o que” nem “como” pedir a Deus ou o que dizer a Deus. Ele vem suprir nossa oração fraca e débil, vem nos fazer orar, mas orar segundo a vontade de Deus. O próprio Espírito Santo que habita em nós, ora em nós e por nós. Vem nos capacitar a orar de forma divina.


Ainda que nós não entendamos os gemidos inefáveis com que o Espírito ora, canta, e fala em nós e através de nós, sentimos que o nosso coração e o nosso espírito estão em oração. No entanto, não deixamos de estar conscientes, sabemos perfeitamente o que estamos fazendo, pois oramos com a nossa língua e com a nossa vontade, por isso somos livres para começar e terminar quando queremos.
O dom de línguas é a porta para todos os outros dons carismáticos, porque abre todo o ser do homem para a ação do Espírito Santo e para o crescimento da vida no Espírito.
O dom de línguas é a primeira manifestação sensível e visível da presença do Espírito Santo ( At 2,1-4; 10,6s; 19,6s).


O dom de línguas nos une em torno de Cristo. É dom que promove a unidade entre os cristãos, atraindo-os a Jesus Cristo e à Igreja (At 2,5-6).


Cantar em línguas:



O Espírito Santo de Deus, plenamente rico de graças, concede aos fiéis o dom de “cantar” em línguas. “Cantarei com o Espírito” (I Cor 14,14). Isto significa que o Espírito Santo através do dom de línguas, utiliza-nos para elevarmos um canto ao nosso Deus, levando-nos a expressar-lhe um louvor no Espírito a Deus. O Espírito nos capacita a glorificar o Senhor de maneira profunda, sincera e perfeita. Nesse louvor no Espírito, unimo-nos aos anjos e santos, que não cessam de, no céu, louvar o Senhor.


Dom de falar em línguas:



“Maior é quem profetiza do que quem fala em línguas, a não ser que este as interprete, para que a assembléia receba edificação” (I Cor 14,13).
O dom de línguas também se manifesta através de “falar” em línguas, que significa proclamar uma mensagem de Deus a um grupo ou assembléia de oração, através de línguas estranhas.


2. DOM DE INTERPRETAÇÃO DAS LÍNGUAS:



“…a outros, por fim, a interpretação das línguas” (I Cor 12,10).
Ao proclamarmos uma mensagem de Deus em línguas é necessário suplicarmos o dom de as interpretar, pois toda mensagem de Deus para o seu povo tem o objetivo de edificá-lo. E ao proferirmos palavras ininteligíveis, como se compreenderá o que dizemos? Seremos como quem fala ao vento (cf. I Cor 14,9). O Espírito Santo concede que se compreenda o que está sendo dito em línguas. Esta compreensão se dá com o “coração”, e não através de uma tradução conceitual e gramatical das palavras.


Este carisma pode ser dado tanto à pessoa que está orando ou falando em línguas, quanto a outra pessoa que está participando do grupo de oração. O dom de profetizar em línguas e o de as interpretar são dons que se complementam reciprocamente: “aquele que tem o dom de falar em línguas reze para ter o dom de interpretá-las ( I Cor 14,13).


3. DOM DE PROFECIA OU PALAVRA DE PROFECIA:



Deus se manifesta aos homens também através do dom da profecia. Este dom pode se manifestar através de uma palavra, de um sentimento, em línguas, que requer a interpretação, de um canto, de uma visão (At 10,9-48), com entendimento espiritual de um sonho (Num 12,6).


São Paulo considera o dom da profecia superior a todos os outros dons, pois reconhece que através deste dom, Deus fala claramente e de forma simples, mas direta, com o homem (I Cor 14,5).


O dom da profecia é para todos os homens de boa vontade e de fé que querem recebê-lo (I Cor 14,30). Também é importante que haja confirmação da profecia através de moções dadas a outros.


A palavra de profecia deve passar pelo “crivo” do discernimento dos espíritos. É importante que as examinemos se são divinas, humanas ou diabólicas ( I Tes 5,21; Mt 7,15).


Geralmente as profecias são ditas na primeira ou segunda pessoa, pois o Senhor é um deus pessoal e nos falará diretamente: “Não temas, tu és o meu povo”, “Eu sou o teu Deus”. O centro de todas profecias é Jesus Cristo e o seu evangelho, portanto as palavras proféticas têm que estar de acordo com a palavra de Deus, com a palavra da Igreja e dirigida à glória de Deus e a salvação dos homens (Dt 13,2-4).


4. DOM DE CIÊNCIA OU PALAVRA DE CIÊNCIA:



A palavra de ciência é o dom através do qual o Senhor faz com que o homem entenda as coisas da maneira que ele entende; faz com que o homem penetre na raiz de cada acontecimento, fato, situação, estado de espírito. Portanto, através deste dom o Senhor dá um diagnóstico de um fato, uma situação, um estado de espírito… e do que Ele quiser revelar.


A palavra de ciência se manifesta através de um sentimento, de uma palavra, de uma frase (Jo 4,50), de uma visão, de um sonho (Mt 1,18-25).


O dom da palavra de ciência revela uma ação que Deus já está fazendo ( a cura, por ex.), uma obra que Deus acaba de fazer ou uma obra que Deus quer fazer, mas que precisa da colaboração da pessoa ou uma situação ou através do poder e da misericórdia de Deus que cura o corpo e o coração.


Um exemplo muito claro do dom de ciência na Bíblia, foi a revelação que Jesus recebeu do Pai ao dialogar com a samaritana, de que ela tinha tido cinco maridos. Por este dom a samaritana experimentou a misericórdia de Deus que a levou ao arrependimento e a conversão, reconhecendo Jesus como o Messias, além de se tornar uma anunciadora de Jesus em Samaria.


5. DOM DA SABEDORIA OU PALAVRA DE SABEDORIA:



“A um é dada pelo Espírito uma palavra de sabedoria” ( I Cor 12,8).
A palavra de sabedoria inspira o homem a saber como deve ser seu comportamento em cada situação, em cada vez que tem que resolver um fato ou um problema, a falar inteligentemente em situações concretas da sua vida ou de sua comunidade, levando-o a decidir acertadamente e de acordo com a vontade de Deus, no dia a dia, no matrimônio, no trabalho, na educação dos filhos, nos relacionamentos com os irmãos e na sua vida cristã. É uma orientação de Deus sobre como se viver cristãmente (Lc 18, 18-30).


A palavra de sabedoria conduz o procedimento humano em cada situação:
– Como agir (I Rs 3,16-28);
– Como falar ( Mt 22,21);
– Como fonte de discernimento espiritual;
– Prepara o nosso coração para receber o ensinamento divino ( Lc 12,13-21);
– Como fonte de ensinamento segundo a sabedoria de Deus (Mt 6,1-21);
– Nos faz testemunhar com sabedoria (Paulo diante do rei Agripa – At 26,28);


Este dom deve ser amplamente exercitado pelo cristão na oração pessoal e comunitária para que ele tenha encontros transformadores em sua vida. A manifestação desse dom pode acontecer através de palavras da própria Escritura, por uma palavra, por uma visão, por um sentimento, por um sonho.


6. DOM CARISMÁTICO DA FÉ:



“a outros é dado pelo Espírito, a fé” ( I Cor 12,9).
O carisma da fé é uma graça especial que nos dá a certeza de que Deus agirá, de que o poder de


Deus irá intervir em alguma situação da vida do homem confirmando nossa ação e oração com o sinal que lhe pedimos. É uma graça à qual devemos nos abrir e pedir a Deus. Pela fé carismática cremos que Deus opera hoje maravilhas em favor do seu povo. A fé move a manifestação do poder de Deus.


7. DOM DOS MILAGRES:



“a um é dado pelo Espírito o dom de milagres” (I Cor 12,10).
O dom de milagres é a ação do Espírito Santo que, para o bem de alguém, modifica o curso normal da natureza. O milagre é uma intervenção clara, sensível e visível de Deus no decurso “ordinário” ou “normal” dos acontecimentos: curas instantâneas de doenças incuráveis, ressurreição dos mortos, fenômenos extraordinários da natureza ( cf. At 3,4-11; 4,30-31).


O mundo atual necessita do exercício do dom de milagres, pois Deus deseja e continua a realizar suas obras extraordinárias no meio do seu povo, hoje.
Devemos fazer distinção entre milagre e cura. O primeiro, quando se manifesta através de uma cura que nenhuma ciência médica poderia conseguir, e que Deus realiza. No segundo caso, a cura pode acontecer através de um medicamento, de uma cirurgia, etc.


8. DOM DAS CURAS:



“a outro, a graça de curar as doenças no mesmo Espírito” (I Cor 12,9b).
O dom das curas pode se manifestar de três formas. Tomando-se por base as três dimensões do homem: corpo, alma e espírito ( cf. I Tes 5,23), compreendemos que este mesmo homem pode ser atingido por enfermidades em suas três dimensões. Existem os males físicos, os da alma ou interiores e espirituais. Se somos atingidos em qualquer área interior, necessitamos de uma cura interior. Se somos atingidos em nosso espírito, contaminando-nos com falsas doutrinas e apartando-nos sã doutrina da salvação, precisamos de uma cura espiritual ou libertação. Se somos atingidos no corpo com alguma enfermidade, necessitamos de uma cura física.


9. DOM DO DISCERNIMENTO DOS ESPÍRITOS:



“A outro é dado pelo Espírito o discernimento dos espíritos” ( I Cor 12,10).
Este dom nos permite discernir, examinar, perceber e identificar em nós mesmos, nas outras pessoas, nas comunidades, nos ambientes e nos objetos o que é de Deus ou o que é da natureza humana, ou ainda, o que é do maligno.


Este dom, como todos os outros, é muito importante para a vida cristã, pois nos levará a distinguir a voz de Deus das outras vozes, que tentam nos confundir. É muito importante que cada cristão se abra inteiramente a este dom para não se deixar arrastar pelas suas paixões e pelas tentações do inimigo e, assim, livremente fazer a vontade de Deus. Talvez, momentaneamente, uma atitude ou palavra, como também um sentimento, ou ainda um pensamento, traga ao cristão realização, alegria, mas se não for da parte de Deus, logo perceberá quão vazia ficou sua alma, pois só a vontade de Deus pode levar o homem à verdadeira alegria e realização.


Por isso é muito salutar o exercício cotidiano desse dom para que cresça em si um discernimento apurado com relação a todas as coisas. Algo pode aparentemente parecer bom, mas só Deus sabe o que é verdadeiramente bom.


O discernimento dos espíritos protege o exercício dos dons carismáticos. Por ele o cristão reconhece se os dons que estão sendo exercidos são impulsionados pelo Espírito de Deus ou se é uma ação humana ou diabólica.


São João nos adverte quanto à necessidade de examinarmos se os espíritos são de Deus e nos ensina como conhecê-lo: “todo espírito que proclama Jesus Cristo que se encarnou é de Deus e que os espíritos do mundo falam segundo o mundo, e quem conhece a Deus, ouve a Deus” (I Jo 4,1-6). Portanto, este dom nos dá a graça de distinguir o espírito da verdade e o espírito do erro.


Os doze principais frutos do Espírito Santo


Considerando os frutos do Espírito Santo como sendo todos os atos últimos e deleitáveis das virtudes e dos dons - ou, em outras palavras, como todas as obras virtuosas com que nos comprazemos -, sua enumeração deveria ser muito extensa. Entretanto, o Apóstolo distingue apenas doze em sua Epístola aos Gálatas: "O fruto do espírito é a caridade, a alegria, a paz, a paciência, a longanimidade, a bondade, a benignidade, a mansidão, a fidelidade, a modéstia, a continência, a castidade" (Gl 5, 22-23).4 A propósito, Santo Agostinho explica que São Paulo não tinha o intuito de dar o número exato desses dons, mas apenas mostrar o "gênero de coisas" em que devemos buscá-los.5 São Tomás, por sua vez, considera adequada essa enumeração paulina, explicando que "todos os atos dos dons e das virtudes podem, com certa conveniência, ser reduzidos a esses frutos".6 E classifica os frutos enumerados pelo Apóstolo conforme os diferentes modos pelos quais o Espírito Santo procede conosco.A mente humana, esclarece o Doutor Angélico, deve estar ordenada em si mesma, em relação ao que está ao seu lado e em relação ao que lhe é inferior. Os três primeiros frutos do Espírito Santo - caridade, alegria e paz - ordenam a alma em si mesma em relação ao bem, enquanto a paciência e longanimidade o fazem em relação ao mal. Bondade, benignidade, mansidão e fidelidade a ordenam em relação aos outros; e modéstia, continência e castidade, em relação àquilo que lhe é inferior.


Caridade


A caridade - "sentimento primordial e raiz de todos os sentimentos", segundo São Tomás - é o primeiro fruto do Espírito Santo. Nela, o Paráclito dá-Se de forma toda particular "como em Sua própria semelhança", uma vez que, no eterno e inefável convívio entre as três Pessoas da Santíssima Trindade, Ele é o Amor substancial do Pai para com o Filho, e do Filho para com Pai.7 Quando uma alma é cumulada pela seiva divina do Espírito de Caridade, o amor a arrebata e transforma por completo. Assim aconteceu com Santa Maria Madalena, a pecadora pública perdoada e restaurada a ponto de encabeçar a lista das virgens invocadas na Ladainha de Todos os Santos.Tocada por um amor corajoso, não hesitou ela em comprar os melhores perfumes e, alheia ao respeito humano, lançar-se aos pés de Jesus, lavá-los com suas lágrimas e enxugá- los com seus cabelos. Foi uma manifestação de amor veemente, exclusivo e - quase se diria - irrefletido, por não medir esforços nem calcular consequências. Bem podem se aplicar a ela as palavras de São Francisco de Sales: "A medida de amar a Deus consiste em amá- Lo sem medida". Ou as de São Pedro Julião Eymard: "O que é o amor senão o exagero?".Note-se, entretanto, que a caridade nem sempre vem acompanhada de consolações para a alma que a pratica, pois, sendo uma virtude, reside na vontade, e não no sentimento. Assim, "não se trata necessariamente de um amor sentido, mas de um amor intensamente querido; e tanto mais querido, nas almas fervorosas, quanto menos sensível for".8A verdadeira prova da autenticidade da caridade é o fato de ela vir acompanhada de uma repulsa inteira ao pecado, pois diz Santo Agostinho: "Ficará demonstrado que amas o que é bom se vires em ti que odeias o que é mau".9 Não podemos esquecer, por fim, um fundamental desdobramento deste fruto do Espírito Santo, ensinado pelo próprio Cristo: "Amarás a teu próximo como a ti mesmo" (Mt 22, 39). No dizer de Santo Agostinho, "o amor ao próximo é como o princípio do amor a Deus". E "não há degrau mais seguro para subir ao amor de Deus que a caridade do homem para com seus semelhantes".


Alegria


Corolário do amor a Deus e ao próximo é a alegria, "pois quem ama se alegra por estar unido ao amado. Ora, a caridade tem sempre presente a Deus, a quem ama, segundo o dizer da primeira Carta de João: ‘Quem permanece no amor, permanece em Deus, e Deus nele' (I Jo 4, 16). Portanto, a alegria é consequência da caridade". Longe de se confundir com os gozos passageiros, provenientes de frivolidades ou de ações proibidas pela Lei de Deus, que logo se transformam em frustração, a alegria do Espírito Santo é toda sobrenatural e penetra até o fundo da alma. Por isso pôde São Paulo dizer: "Estou cheio de consolação, transbordo de gozo em todas as nossas tribulações" (II Cor 7, 4).


Paz


"Mas a perfeição da alegria é a paz", afirma o Doutor Angélico. E isto sob dois aspectos: "Primeiro, quanto ao repouso das perturbações exteriores, pois não pode desfrutar perfeitamente do bem amado o que é perturbado por outros nessa fruição". E, segundo, "no sentido que ela acalma a instabilidade dos desejos, pois não goza da alegria perfeita quem não se satisfaz com o objeto que o alegra". Não há, pois, absolutamente nada que possa perturbar uma alma abandonada à ação do Espírito Santo, porque ela "têm consciência de estar na posse do único bem a que está apegada; sabe que possui a Deus; sabe-se amada por Ele ‘até a loucura', apesar de sua miséria e, por sua vez, também ama a Deus sem medida". De fato, como a paz é procurada em nossos dias, e como parece escorregar de nossas mãos! Numa existência agitada e ruidosa, marcada a fundo pela violência e pelo pecado, tudo concorre para arrancar- nos a paz interior. Como são atuais as palavras de Jeremias: "Exclamam ‘Paz, paz!' quando não há paz" (Jr 6, 14).


Paciência


Depois de considerar os frutos do Espírito Santo que ordenam a mente para o bem, vejamos aqueles que a levam a atuar de forma correta perante a adversidade: a paciência e a longanimidade.O primeiro nos torna inalteráveis ante os males iminentes; o segundo, imperturbáveis com a prolongada espera dos bens, dado que a privação destes já é um mal. Derivada da fortaleza, a virtude da paciência "inclina a suportar sem tristeza de espírito nem abatimento de coração os padecimentos físicos e morais". Segundo Santa Catarina de Sena, a paciência é a "rainha posta na torre da fortaleza, que vence sempre e nunca é vencida". Assim aconteceu com o justo Jó que, tendo perdido as riquezas, os filhos e a saúde, com a mesma atitude de alma continuava glorificando seu Criador: "O Senhor deu, o Senhor tirou: bendito seja o nome do Senhor!" (Jó 1, 21).Quando o Espírito Santo produz em nossas almas esse fruto, tornamo- nos conformes à vontade de Deus; almejamos imitar o exemplo de Jesus Cristo e de Maria Santíssima na Paixão; compenetramonos da necessidade de reparar nossos pecados, purificando-nos no cadinho do sofrimento.


Longanimidade


Pela longanimidade, o Espírito Santo nos leva a aguardar com equanimidade, sem queixas nem amargura, os bens que esperamos de Deus, do próximo e de nós mesmos. Não se trata de uma espera passiva e preguiçosa, mas sim de uma manifestação de coragem que se estende no tempo, de uma dilatada esperança que nos faz fortes de alma nas delongas espirituais.


Frutos de longanimidade vemos em abundância na vida de Santa Mônica, durante os muitos anos em que receava pela salvação eterna do filho Agostinho, transviado na imoralidade e na heresia. Sem nunca esmorecer na confiança, rezava persistentemente pela sua conversão.Deus, comprazido em contemplar nessa mãe exemplar os frutos que Ele mesmo semeara, deu-lhe a honra sublime de ter o filho elevado à condição de um dos grandes luminares da Santa Igreja.


Bondade


Depois de bem disposta a mente em relação a si mesma, cumpre ajustá- la em relação ao que lhe está ao redor: o próximo. Isto se dá, em primeiro lugar, pela bondade, isto é, pela "vontade de agir bem". Por efeito de nossa união com Deus, somos compelidos pelo Espírito Santificador a beneficiar os outros.Nossa alma como que se dilata e expande, a ponto de nos converter, de certa forma, em amor. Pois, "como o carvão ou a barra de aço, em si mesmos negros e frios, se tornam brilhantes e ardentes como o fogo, assim a alma imersa nesse braseiro de amor que é o Espírito Santo se torna semelhante em todas as coisas ao divino Espírito". Jesus nos deixou registrado o paradigma dessa bondade na parábola do filho pródigo (cf. Lc 15, 11-32).Deus é o pai que espera ardentemente o retorno daqueles que d'Ele se afastaram pelo pecado e se encontram enlameados e impregnados de mau odor. Fica ansioso, por assim dizer, de nos ver procurar um de seus ministros no misericordioso tribunal da Reconciliação, para nos perdoar, sarar nossas feridas espirituais e fortalecer-nos a fim de não reincidirmos nas mesmas faltas.


Benignidade


O fruto da benignidade se distingue ao da bondade por já ser, não só um querer, mas um praticar efetivo do bem. Aqui o carvão ou a barra de aço do exemplo anterior não apenas brilham e ardem, mas queimam e inflamam.Por isso "chamam-se benignos aqueles a quem o ‘fogo bom' do amor se inflama em favor do próximo". Modelo desse amor que "se inflama em favor do próximo" foi São Vicente de Paulo. Pedia insistentemente a Deus que lhe desse um espírito benigno; e conseguiu, com a ajuda da graça, domar seu temperamento seco e bilioso, tornando- se cortês e afável.Transformou-se a ponto de se lhe tornar natural uma polidez de trato maravilhosa, com palavras sempre amáveis para todo tipo de pessoas.


Mansidão


Uma terceira disposição da mente ao ordenarse em relação ao próximo é a mansidão, pela qual refreamos a ira e suportamos com serenidade de espírito os males infligidos pelos outros.Santa Teresinha do Menino Jesus nos dá belíssimos exemplos de mansidão perante impulsos de irritação, ensinando-nos a praticar esta virtude na vida cotidiana.Eis um deles: Estando um dia as freiras trabalhando na lavanderia conventual, constituída por grandes tanques comunitários, aconteceu de uma irmã, por falta de atenção, lançar sobre a Santa uma chuva de água com sabão. Como é natural, isso lhe provocou um ímpeto de indignação. Mas, acalmada pela brandura do Espírito Santo, logo se conteve, recorrendo ao piedoso subterfúgio de imaginar que o Menino Jesus estava brincando com ela... esborrifando-lhe água e sabão.


Fidelidade


Como último fruto de nosso bom relacionamento com o próximo, temos a fidelidade, que nos faz "manter a palavra dada, as obrigações assumidas, os contratos estipulados". A fidelidade complementa a mansidão no sentido de que, se esta nos leva a não prejudicar o próximo pela ira, aquela nos conduz a não fraudá-lo nem enganá-lo. Ora, "isso é a fé, tomada no sentido de fidelidade", afirma São Tomás. "E se a tomarmos como fé em Deus, então o homem por ela se ordena ao que lhe é superior, ou seja, dispõe- se a submeter seu intelecto a Deus e, por consequência, tudo o que possui".


Modéstia


Por fim, após ordenar-se a mente em face do que lhe está em volta, cumpre fazê-lo quanto ao que lhe é inferior, e isto se dá em primeiro lugar pela modéstia, "observando o comedimento em tudo o que diz e faz".Esta virtude mantém nossos olhos, lábios, risos, movimentos, enfim, toda a nossa pessoa, sem excluir nossos trajes, nos justos limites "que correspondem a seu estado, habilidade e fortuna". Santo Agostinho recomenda particular cuidado com a modéstia exterior, que tanto pode edificar quanto escandalizar os que nos rodeiam. Note-se que a afirmação do Bispo de Hipona não deve ser interpretada num sentido exclusivamente negativo. A modéstia exterior inclui também o dever positivo de revestirse das roupas, gestos e atitudes próprias a edificar o próximo e dar glória a Deus.Lê-se na vida de São Francisco de Assis um episódio que ilustra quanto o cumprimento desse dever pode produzir nas almas um efeito equivalente ou talvez maior que o de um sermão. Certa vez, ele convidou um frade, seu discípulo, a acompanhálo: - Irmão, vamos fazer uma pregação - disse-lhe.Após percorrerem a cidade em silêncio, São Francisco retomou o caminho do convento. Sem entender o que se passava, o frade perguntou: - Mas, meu pai, não dissestes que íamos fazer uma pregação?Aqui estamos de volta, e não proferimos uma só palavra... E o sermão? - Já o fizemos. Não percebes que a vista de dois religiosos andando pelas ruas com estas vestimentas e em atitude de recolhimento vale tanto quanto um sermão? - respondeu o Santo.


Continência e Castidade


Também em relação ao que lhe é inferior - isto é, às paixões - ordenam o homem a Continência e a Castidade.Segundo São Tomás, elas se distinguem uma da outra "quer porque a castidade nos refreia em relação ao que é ilícito, e a continência ao que é lícito, quer porque a pessoa continente sofre as concupiscências, mas não se deixa arrastar por elas, enquanto o casto nem as sofre e muito menos as segue". Com efeito, a alma que produz o fruto da castidade torna-se realmente angélica. Muito ao contrário dos tormentos interiores de agitação e ansiedade, nos quais vive quem se entrega às paixões desordenadas, o casto já antegoza o Céu na terra.A continência, a seu lado, "robustece a vontade para resistir às concupiscências desordenadas muito veementes"; portanto, indica um freio, enquanto a pessoa abstém-se de obedecer às paixões. Ela, assim, prepara a alma para essa castidade, pois "os que fazem tudo quanto é permitido acabarão por fazer o que não é permitido".


Espírito de Amor e intercessão de Maria


Qual navio batido pelas ondas na procela, a alma sente neste vale de lágrimas os falaciosos atrativos da carne, convidando-a ao naufrágio.Muito bem exprime São Paulo essa difícil situação: "Sinto, porém, nos meus membros outra lei, que luta contra a lei do meu espírito e me prende à lei do pecado, que está nos meus membros. Homem infeliz que sou! Quem me livrará deste corpo que me acarreta a morte?" (Rm 7, 23-24).Mas, aos olhos do bravo navegante que, em vez de desanimar, ergue a vista à busca da salvação, sempre está a brilhar um farol: "A lei do Espírito de Vida me libertou, em Jesus Cristo, da lei do pecado e da morte.O que era impossível à lei, visto que a carne a tornava impotente, Deus o fez" (Rm 8, 2-3).Dada a nossa natural insuficiência, agravada pelas consequências do pecado original, torna-se indispensável o auxílio divino para completarmos a árdua corrida rumo à eterna bem-aventurança. E o Espírito de Amor vem sempre em socorro da nossa fraqueza, com suas graças e dons. Ele não cessa de interceder por nós "com gemidos inefáveis" (Rm 8, 26) e ainda nos dá como medianeira e advogada sua Fidelíssima Esposa.Saibamos recorrer sempre a Ela. Pois a poderosa intercessão de Maria Santíssima é a via mais segura para transformar graminhas estéreis em frondosas árvores carregadas de frutos.



terça-feira, 4 de outubro de 2016

Minoridade Franciscana

“Por que a ti? Por que a ti? Por que a ti?”  

Estava uma vez S. Francisco no convento da Porciúncula com Frei Masseo de Marignano, homem de grande santidade, discrição e graça em falar de Deus; pela qual coisa S. Francisco o amava muito; um dia, voltando S. Francisco de orar no bosque, e ao sair do bosque, o dito Frei Masseo quis experimentar-lhe a humildade; foi-lhe ao encontro e, a modo de gracejo, disse: “Por que a ti? Por que a ti? Por que a ti?” S. Francisco respondeu: “Que queres dizer?” Disse Frei Masseo: “Por que todo o mundo anda atrás de ti e toda a gente parece que deseja ver-te e ouvir-te e obedecer-te? Não és homem belo de corpo, não és de grande ciência, não és nobre: donde vem, pois, que todo o mundo anda atrás de ti?” Ouvindo isto, S. Francisco, todo jubiloso em espírito, levantando a face para o céu por grande espaço de tempo, esteve com a mente enlevada em Deus; e depois, voltando a si, ajoelhou-se e louvou e deu graças a Deus; e depois, com grande fervor de espírito, voltouse para Frei Masseo e disse: “Queres saber por que a mim? Queres saber por que a mim? Queres saber por que todo o mundo anda atrás de mim? Isto recebi dos olhos de Deus altíssimo, os quais em cada lugar contemplam os bons e os maus: porque aqueles olhos santíssimos não encontraram entre os pecadores nenhum mais vil nem mais insuficiente nem maior pecador do que eu; e assim, para realizar esta operação maravilhosa, a qual entendeu de fazer, não achou outra criatura mais vil sobre a terra; e por isso me escolheu para confundir a nobreza, e a grandeza e a força e a beleza e a sabedoria do mundo; para que se reconheça que toda a virtude, e todo o bem é dele e não da criatura, e para que ninguém se possa gloriar na presença dele; mas quem se gloriar se glorie no Senhor, a quem pertence toda a honra e glória na eternidade”.

Então Frei Masseo, ouvindo tão humilde resposta, dada com tanto fervor, se espantou e conheceu certamente que S. Francisco estava fundado na verdadeira humildade.

Em louvor de Cristo. Amém.

São Francisco de Assis rogai por nós e nos ajude a amar Nosso Senhor, como tu O amaste aqui na Terra.

São Domingos Sávio e a Escravidão de Amor

Conta-se que:
"Quando São João Bosco teve a aparição de São Domingos Sávio poucos dias depois que este havia morrido, quis fazer-lhe esta pergunta:
- Diga-me Domingos, qual foi a coisa mais consoladora para ti, na hora da morte?
- Dom Bosco, adivinhe?
- Talvez o pensamento de ter bem guardado o lírio da pureza?
- Não.
- Talvez o pensamento das penitências feitas durante a vida?
- Nem isso.
- Então terá sido a consciência tranquila... livre de todo o pecado?
- Este pensamento me fez bem; mas a coisa mais consoladora pra mim na hora da morte foi pensar que tinha sido devoto de Nossa Senhora! Diga-o aos seus jovens e recomende com insistência a devoção a Nossa Senhora."

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Por que amo Maria?

5 Razões bíblicas para Amar Maria!

Com muita alegria daremos 5 razões bíblicas pelas quais amamos a Virgem Maria. À nossa volta, temos familiares, amigos e que nos atacam, dizendo que fazemos mal venerando Maria. Afirmam que a Bíblia nada diz a este respeito. Por este motivo abordaremos este tema pois "devemos dar as razões da nossa fé" (1Pe 3,15), das razões do nosso amor a Maria. Que assim nasça em você o amor e a veneração a ela. Recorramos à Sagrada Escritura.

1ª Razão - Como católicos temos um presente especial da parte de Jesus Cristo que quis deixar-nos sua Mãe Santíssima como nossa Mãe. O Evangelho de João nos diz sobre isso o seguinte:
"Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa." (Jo 19,26-27).

Se você ler atentamente esta passagem, notará que Jesus Cristo disse ao seu discípulo: "Eis aí tua mãe." Não é a qualquer pessoa, mas ao "discípulo" que Ele disse estas palavras. É o autêntico discípulo de Cristo quem hoje, a exemplo do Apóstolo João, aceita Maria como "Mãe". No Evangelho de João encontramos o modelo de todo o discípulo que aceita o presente de Jesus. Na cruz, em seus últimos momentos, quando Ele sabia que estava partindo, é quando Nosso Senhor, diante de todos, deixa como testamento espiritual para todo discípulo cristão um presente especial: "Eis aí tua mãe". Bendita sejas, Maria, Mãe da Igreja e Mãe Nossa!

Um momento depois, notamos a atitude do discípulo. João, sem vacilar, escreve o que nesse dia ele mesmo havia feito: "E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa". Como não recordar este momento e pô-lo dentro da Boa-Nova que estava escrevendo no Evangelho? Ele mesmo o disse: "Este é o discípulo que dá testemunho de todas essas coisas, e as escreveu. E sabemos que é digno de fé o seu testemunho" (Jo 21,24).

João era o mais jovem de todos os Apóstolos e escreveu isso porque, para ele, era um motivo de alegria e júbilo que não poderia calar. Quão fácil seria para ele não escrever isso anos depois! Se ele tivesse as mesmas idéias dos evangélicos atuais, nunca teria escrito isso. Mas não! Para João, ter Maria como Mãe não era motivo de vergonha, nem de retribuir favores a Jesus Cristo. Para ele, isso foi algo tão grande e tão valioso que não poderia ser esquecido no seu Evangelho.

João havia escrito: "Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem escritas uma por uma, penso que nem o mundo inteiro poderia conter os livros que se deveriam escrever" (Jo 21,25). Se, ao terminar seu Evangelho, ele claramente afirmou que muitas coisas que Jesus Cristo havia feito não as havia escrito, isso quer dizer que ele escreveu apenas o que era realmente importante.

Não iria desperdiçar sua mensagem com coisas sem importância. Somente pôs aquele que merecia ser mencionado, ainda que desejasse escrever as muitas coisas que o mesmo Jesus havia feito. Pois bem, umas destas palavras tão valiosas foram: "Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa" (Jo 19,26-27). E é por isso que hoje, a exemplo deste dia, o verdadeiro discípulo de Cristo faz o mesmo que João, e "leva Maria para sua casa". Benditas sejas Mãe Santa, pois podemos ter a mesma alegria de João de levar-te e ter-te em nossa casa!

Além disso, se a Bíblia ensina que devemos honrar pai e mãe (Lc 18,20), foi certamente o que fez João e nos deu como exemplo honrar Maria. Com esta atitude, João foi um bom católico.
Acho que muitos irmãos separados já ouviram o que diz o Livro do Deuteronômio: “Moisés e os anciães de Israel deram ao povo a seguinte ordem: Observareis todos os mandamentos que hoje vos prescrevo. Maldito seja aquele que despreza seu pai e sua mãe! E todo o povo dirá: Amém!” (Dt 27,1.16).

Da nossa parte, como católicos, como seus filhos, também a honramos e a amamos (Lc 18,20).

Nos agradecemos ao Apóstolo João por dar-nos o exemplo de amor à Virgem como uma Mãe Espiritual do verdadeiro discípulo de Jesus Cristo. Esta é a primeira razão bíblica pela qual nós também fazemos assim.

2ª Razão - Um anjo, enviado por Deus, diz a ela: "Ave, cheia de graça! o Senhor é contigo!"

"No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da casa de Davi e o nome da virgem era Maria. Entrando, o anjo disse-lhe: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo." (Lc 1,26-28)

Que maravilhosa é a Palavra de Deus ao nos mostrar isso com tanta clareza. A Bíblia nos diz que o anjo é enviado por Deus para representá-lo, pois a palavra "anjo" significa "mensageiro". E se era enviado por Deus, não poderia errar de maneira alguma, e suas palavras à Virgem Maria são as mesmas que hoje nós a chamamos:

"Ave, Maria, cheia de graça! O Senhor é convosco. Bendita sois vós entre as mulheres!" Nas Bíblias Protestantes se diz exatamente o mesmo.

Bendito sejas, Anjo de Deus, que não teve nenhum problema em dizer estas palavras e de reconhecer a grandeza de Deus nesta Santa Mulher. Quando, hoje em dia, muitos que se dizem cristãos e que perguntam aos católicos as razões pelas quais louvamos a Virgem. Fazem isto porque não estão lendo atentamente a Bíblia ou não a querem aceitar. Bendizer a Virgem é algo que nos pôs como exemplo o Mensageiro de Deus.

Imagine o seguinte por uns segundos: se Deus tivesse enviado nesse dia um católico para dar o anúncio à Virgem, tal pessoa teria feito o mesmo que o Anjo. Saudaria Maria e a bendiria dizendo-lhe: "Bendita sois vós entre as mulheres". Em contrapartida, se neste dia Deus tivesse enviado uma pessoa com idéias protestantes, certamente não teria feito o mesmo, sequer algo parecido. Teria dito algo como: "Olá, mulher como outra qualquer! Não se alegre, pois você necessita ser salva. Você é somente um objeto, um vaso que Deus quer usar. Tchau, mulher!"

Graças a Deus, Ele não escolheu uma pessoa com estas idéias, mas escolheu um de seus mensageiros e, por ele, conhecemos a Boa-Nova que deu: "Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo".
Esta é a segunda razão bíblica de nosso amor à Virgem, simplesmente seguimos o exemplo que nos deu o anjo enviado por Deus. Bendita sois vós entre as mulheres, Maria Santíssima!

3ª Razão - O menino João, que será o Batista, pula de alegria e, ao mesmo tempo, sua mãe Isabel fica cheia do Espírito Santo.
Que detalhes tão bonitos e tão fortes nos dão as Sagradas Escrituras ao descrever a reação de quem recebe a Virgem em sua casa:

"Ora, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu no seu seio; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo" (Lc 1,41).

Atualizemos esta cena: se, hoje em dia, a Virgem Maria parasse na porta da casa de uma pessoa evangélica, o que esta faria? Se permanecesse firme na suas crenças diria a seus filhos: "Crianças, continuem brincando. Quem está lá fora é uma pessoa comum, como outra qualquer. É uma mulher que não merece nenhum louvor nem honra especial, simplesmente é a 'mãe de Jesus', a quem a Bíblia chama de 'mulher'." E a mesma pessoa continuaria com seus afazeres domésticos e nada mais.

Realmente é bastante diferente o que aconteceu com Isabel e com o bebê que nem consciência ainda tinha. Esse bebê, a quem poriam o nome de João, salta de alegria, ficando cheio do Espírito Santo. Isso o anjo havia profetizado: "Porque será grande diante do Senhor e não beberá vinho nem cerveja, e desde o ventre de sua mãe será cheio do Espírito Santo" (Lc 1,15).

O que aconteceu neste dia para que Isabel e o "Maior dos Profetas" (Lc 7,28; Mt 11,9) ficassem cheios do Espírito Santo? Qual foi a razão para tão grade manifestação de Deus? Leiamos novamente a Bíblia:

"Ora, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu no seu seio; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo" (Lc 1,41).

Tudo ocorreu pela presença e pela saudação de Maria. Por isso, como católicos, recebemos com alegria a mesma bênção. Maria nos leva a uma vida cheia do Espírito Santo. O que aconteceu foi que "a criança estremeceu no seu seio; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo". Não é estranho que muitos irmãos separados não consigam descobrir o que está tão claro em todas as Bíblias do mundo?

Imagine a cena: Maria vai entrando e, apenas com sua presença, leva Isabel a se encher do Espírito Santo. O júbilo é tal em Isabel que não apenas ela se enche de Deus, mas também o bebê que leva no ventre pula de alegria. Imaginemos a alegria de João pela presença de Maria na casa de sua mãe, Isabel.

Mais expressivo não poderia ser o evangelista São Lucas ao narrar-nos o que aconteceu neste dia: alegria e presença do Espírito Santo, provocados pela visita da Santíssima Virgem Maria.
Esta é a terceira razão bíblica pela qual amamos e veneramos a Virgem. Simplesmente porque, como católicos e verdadeiros cristãos, aceitamos a Palavra de Deus assim como ela é. Por isso, igual a esse bebê, saltamos de alegria ao aceitar Maria em nossas vidas. Pelo que também Jesus Cristo entra e derrama seu Espírito sobre nós para nos transbordar da sua presença. Não há dúvidas que o bebê João e Isabel são como o católico de hoje, que se rejubila diante da presença de Maria. Sem falar que o bebê nem nascido era...

4ª Razão - Isabel, cheia do Espírito Santo, louva e bendiz a Virgem Maria

"E Isabel ficou cheia do Espírito Santo. E exclamou em alta voz: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre" (Lc 1,42). Não há necessidade de explicações, apenas reforcemos o fato de que foi Isabel, cheia do Espírito de Deus, a primeira quem usou as palavras que os católicos usam para louvar a Virgem.

Se hoje alguém afirma que cometemos erro bendizendo a Virgem, na realidade está criticando o mesmo Espírito Santo, pois foi Ele quem impulsionou Isabel a bendizer a Santíssima Mãe de Jesus e Mãe nossa. Igualmente, se hoje alguém pergunta: onde na Bíblia se fala em louvar a Virgem? Nós respeitaríamos, apenas sugerindo que lesse um pouco mais a Bíblia, já que isso está em Lc 1,42. E isto está na Bíblia por volta de 2000 anos. Não lhe parece estranho que, ainda hoje, há quem se diga cristãos, desconhecendo esta passagem da Sagrada Escritura?

Hoje, com alegria, com o Espírito de Deus nos impulsionando e com a Bíblia nas mãos, nós a bendizemos tal qual o fez Isabel, quando ficou cheia do Espírito Santo: "Bendita sois vós entre as mulheres e Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus!" Se bem que nós não fazemos exatamente como fez Isabel, pois ela o fez gritando: "E exclamou em alta voz" (Lc 1,42).

Esta é a quarta razão que nos motiva, como cristãos autênticos, a louvar à Virgem, seguindo o exemplo desta mulher cheia de Deus: Santa Isabel.

5ª Razão - Santa Maria profetizou que todas as gerações a chamariam de "Bem-Aventurada".

É isto o que nos dizem todas as Bíblias, incluindo as que usam os protestantes: "Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações" (Lc 1,48). Os católicos, ao louvá-la, estão assim cumprindo esta profecia bíblica. Há os que, não sendo católicos, não a cumprem. Nós respeitamos, mas respeitamos e amamos mais a Palavra de Deus. Se nas Escrituras se diz: "desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações", então nos perguntamos: que Igreja, no decorrer da História, tem venerado Maria? Quem, nestes 2000 anos, tem cumprido esta profecia bíblica? Os mórmons? Os testemunhas-de-jeová? Os evangélicos? Nenhum deles, pois sequer existiam; e quando surgiram, ao invés de cumprir esta profecia, puseram-se a contradizê-la.

A resposta correta sobre quem cumpre esta profecia bíblica é a Igreja Católica. Somos nós que, pela graça de Deus, sempre a chamamos de "Bem-Aventurada", sabendo que desta maneira, estamos glorificando o nome de Deus, pois foi Ele quem chamou a Santíssima Virgem e a encheu de sua graça (Lc 1,28).

Por estas 5 razões bíblicas, amamos, bendizemos e louvamos a Santa Mãe de Deus, Maria Santíssima.

domingo, 21 de agosto de 2016

Francisco, um modelo sempre atual do Amor a Deus








Francisco de Assis (1182 -1226) é um grande amigo. Um amigo muito caro de tantos que desejam viver e arder de amor a Cristo Jesus com tudo o que tem e são. Sim, modelo por que não se quis como modelo, mestre por que se fez discípulo fiel. Poderíamos ouvir de seus lábios o que São Paulo disse aos seus leitores: “sede meus imitadores como eu sou de Cristo”. Hoje, meditamos com Francisco no Amor que une a si e em si transforma a todos os que se aproximam d’Ele, este Amor que arde por derramar-se em todos os corações, este Amor que é Deus, o Senhor. (cf. IJo:)

Na nossa Vocação, tantas vezes entendemos e dizemos que o Senhor nos deu um “Caminho de santidade”, uma “Via de amor” a Ele (cf. Is: 43, 19ss). Sempre ouvimos e pregamos sobre o fato de que “o amor a Deus é uma decisão de dar a vida interia”, de “ser vida ofertada” a Deus como “um holocausto permanente de amor” em união íntima com o Cristo Jesus na Cruz, para assim manifestarmos ao mundo o poder da Ressurreição de Cristo. Essa inspiração, esse clamor de Deus, este anseio de ser “todo oferta” é um dom de Deus que veio até nós por meio de Francisco de Assis.


De fato, um caminho não foi feito para ser teorizado, mas para ser percorrido. A espiritualidade de Francisco não é um conjunto de ensinamentos teóricos, mas um caminho pessoal e interior que precisa ser percorrido individualmente por cada discípulo. Sua vida interior tem um centro: Cristo Ressuscitado na Cruz, que no ícone de São Damião lhe fala e lhe convida a ir “reconstruir a Igreja” pela santidade de sua vida. Tudo na vida interior deve partir do encontro com o Cristo Ressuscitado que passou pela Cruz e tudo deve nos conduzir a Ele. Por isso rezamos, fazemos penitências, evangelizamos: por que encontramos a Cristo e fomos impactados pelo poder da sua ressurreição que nos tocou e destruiu a morte em nós! Hoje vivemos a vida d’Ele no amor!


Como se vê, o caminho que Francisco abriu para nós mantém-se como um caminho seguro e muito bem balizado, mas que só pode ser percorrido por pobres e simples, pois é uma contemplação que só os simples são capazes de fazer: a contemplação da presença de Deus no cotidiano da vida, em cada situação e momento, como que uma santa ansiedade para em todas as coisas dar glória ao Senhor do céu e da terra. Sim, uma contemplação que nos leva a uma profunda união com Deus, união que se faz estável e que não se interrompe no meio das mais diversas atividades. Uma união que nos lança completamente no Amor vivo de Deus que arde e que nos faz arder de amor por Ele. É esta união de amor que nos configura a Cristo. Em Francisco, esta configuração se manifestou até em sua carne, pelos sagrados estigmas impressos pelo amor em seu corpo. Mas para todos nós este é um caminho: precisamos trazer em nossos corpos, pela união de amor com Deus, as marcas de Cristo Ressuscitado que passou pela Cruz e que mantém as suas chagas como um sinal de amor, como a aliança com a qual Ele quis desposar as almas para a Eternidade!


Esta disposição da vida inteira a Deus e ao seu amor gera uma profunda espiritualidade encarnada, não só pela verdade de sua fundamentação teológica que é o fato da Encarnação do Verbo, de sua kénosis (esvaziamento), que visa a Cruz e a Ressurreição, que se atualiza na Eucaristia, mas antes, este “Cristocentrismo” gera um cuidado e um amor por toda a realidade do corpo de Cristo: a Igreja e os irmãos. Viver o amor esponsal a Jesus Cristo é viver intensamente unido à Igreja com amor apaixonado por ela e, ainda, é fazer-se dom para os irmãos mais necessitados de tudo: os pobres.


Penso que “pobres” pode significar bem mais do que aqueles que não têm algo. Penso que pobre é todo aquele que tem carência do que lhe é vital. Então, neste sentido, a pior pobreza é a pobreza do não conhecer e não amar a Deus. Sem a evangelização, nosso serviço aos pobres pode se tornar apenas assistencialismo social, filantropia que qualquer um poderia fazer. Com Francisco, entendemos que nossa mão deve se estender para dar o pão ao que tem fome ao mesmo tempo que, com sorriso nos lábios, nós lhe anunciamos que Deus é amor e nos salva em Cristo Jesus.


Sim, esta é a via da minoridade, a via dos pequenos, dos que sabem que foram eleitos por Deus por serem pecadores, por serem fracos e por serem amados até a Cruz. Porque somos os menores, servimos aos nossos irmãos com o amor que recebemos de Deus. O que temos para dar? Diz-nos a experiência espiritual de nossa Comunidade:
Se nos perguntarem o que deixaremos para a próxima geração e qual será a diferença impressa no mundo por nós, responderemos: “Deixaremos, por vocação, a presença do Senhor Jesus que transformou nossas vidas e transforma o mundo. Aos desamados manifestamos amor; aos feridos no corpo e na alma fomos remédio e cura de Deus; aos necessitados fomos auxílio; aos sedentos da graça fomos canais do amor de Deus; aos que se tinham perdido, restituímos a dignidade de filhos de Deus. Ficamos ao lado daqueles que o Senhor tanto ama, pois o ostensório vive para que o Senhor seja amado e adorado, para levar a luz do Senhor onde as trevas reinavam. (El, 10)


Francisco é posto diante dos nossos olhos, antes de tudo, como um modela de radicalidade e amor no seguimento de Cristo. Tudo na sua vida tinha por meta e sentido o encontro com Cristo, o seu e de todas as pessoas a quem o Senhor lhe desse a graça de encontrar. Seria uma redução, no mínimo, chamar Francisco de Assis de o “Pai da Ecologia”, uma vez que de fato, mesmo a sua experiência de amor a Criação toda promana da realidade da redenção obrada por Cristo na Cruz, que nos dá a paz com o criado, que nos faz reconhecer, no Espírito, a bondade e a paternidade de Deus. A atitude de Francisco diante da natureza não era, de modo algum, um “hippiesmo”, mas antes um fascínio transbordante de louvor a Deus que nos dispensa tanto amor e o manifesta em toda a obra da Criação. Novamente, se destaca que a vida de Francisco tem um centro gravitacional: Deus-Trindade-Santíssima!


Esta centralidade de Deus na vida, que é vivenciada na união habitual com Deus na oração interior, nos remete a uma correta ordenação do amor a tudo, inclusive a nós mesmos. Nos Estatutos da Comunidade temos um ensino que me parece bem pertinente e herdado de Francisco: Em primeiro lugar o louvor e a glória de Deus, depois a alegria dos meus irmãos, em terceiro e último, o sacrifício para mim. Amar a Deus sobre tudo, ao próximo por amor de Deus e a mim mesmo, em Deus, este é um plano seguro de Santidade Franciscana. Digo isso, para que percebamos que em Francisco não existe um dualismo entre o espírito e alma, mas uma correta subordinação da carne ao Espírito, como nos ensina São Paulo em Gálatas 5 (Cf. Carta aos Fiéis, 1, 1-7).

É dentro deste contexto da primazia da vida no Espírito que podemos entender a escolha de Francisco por viver os Conselhos evangélicos na forma de voto. De fato, a vida franciscana não é, senão, “observar o santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em obediência, sem propriedade e em castidade” (Regra Bulada 1,1). Viver o Evangelho! Este é o ensinamento de Francisco que o faz sempre tão atual: ser o que Cristo espera de nós! Ao olharmos para Francisco, hoje, devemos nos animar a imitar a sua vida e a sua entrega, uma vez que ele mesmo nos diz que “é uma grande vergonha para nós, outros servos de Deus, terem os santos praticado tais obras, e nós querermos receber honra e glória somente por contar e pregar o que eles fizeram!” (Admoestações, 6). Que este "Gocce" nos leve a contemplar em Francisco um modelo seguro que podemos seguir para viver Cristo! A todos os que o leem, desejo os frutos da Cruz: Paz e Bem!

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Reaprender a simplicidade do louvor

Criados à imagem de Deus, fomos feitos para tudo receber dele, viver unidos a Ele e assim contemplar todas as coisas nele. Mas depois do pecado original, não olhamos mais que a nós mesmos e não contemplamos mais o mundo senão através do nosso pobre olhar. Louvar não nos é mais natural: há também a fadiga da prova, os fardos da existência. Além disso, o mundo em que vivemos privilegia uma cultura de violência e de morte face à qual é difícil articular uma resposta cristã. Esta resposta existe, portanto! Deus nos tem concedido um dom maravilhoso: a fé. E o cume da fé é o louvor.
“Eu estou no meio de vós”
Não consideramos demasiado rápido que o louvor seja simples. Os cristãos carregam o fardo dia como todo homem nesse mundo. Mas eles o carregam diferentemente, e é essa diferença, preparada no de Cristo, provada na Igreja, que lhe faz no mundo operários em toda parte.
O fundamento do louvor não é uma “crença” ou uma “esperança” mas a certeza da fé: “Eu estou no meio de vós”, nos diz o Cristo (Lc 22,27). O que nós temos visto ou entendido, feito ou omito, Deus aí está, no Poder de sua Presença divina. Não há nenhum espaço, nenhum momento da existência humana, seja ele inconfessável, onde Deus não esteja presente, e isso muda tudo! Porque essa presença é a presença de um Deus que salva. Quando nos criou para Ele, sua Palavra tem já ecoava: “Tudo quanto suplicardes e pedirdes, crede que recebestes, e assim será para vós” (Mc 11,24).
Desde a manhã, eu te louvo
Uma tal certeza de fé deve antes de tudo habitar nossa vida pessoal. Atenção! “pessoal” não significa “solitária”. Porque não temos nenhuma vida pessoal se nós vivemos sem Deus e nossos irmãos.
E a relação com Deus o fundamento da vida de todo homem. Este último está presente como um pai que vela sobre seu filho antes mesmo que ele tenha consciência disso. Esta presença pode já ser um motivo de louvor a cada amanhecer, no instante que se dá a abertura de nossas pálpebras: “Ao amanhecer, Senhor, eu Te rendo graças por esta noite onde Tu me preservaste do mal, e eu Te louvo por esse dia passado em Tua Presença”. A gente não fala no futuro, porque este dia está desde agora inteiramente na mão de Deus, .e qualquer coisa que nele aconteça. Por essa palavra pronunciada, meu coração se torna disponível à presença divina que prepara já alguns de meus encontros, cada episódio do dia. Haverá alegrias e provas, mas eu não temerei nada pois o Senhor está presente.
O “reflexo” do coração
Esta prece ao amanhecer não abre somente nossas pálpebras mas nosso olhar. Uma das grandes fontes de desequilíbrio psicológico hoje vem porque não sabemos mais nem olhar nem receber. Demasiado freqüentemente, nós vivemos só para nós mesmos. Nós consumimos nossas relações como os bens materiais, ou mesmo a natureza. Nós não procuramos conhecer, a impressão nos basta. Nós percebemos as coisas e os homens como mercadorias amontoadas. Isso nos fecha à ação de Deus que não trabalha na confusão. Eu não posso louvar a Deus pelas impressões que me habitam, ou pelo que eu penso. Eu não posso louvá-lo por uns fatos precisos e pelo que eu sei, isso que eu conheço. A questão aqui não é de um saber enciclopédico.
Ele se move num conhecimento simples, mas essencial. Desde a manhã, por exemplo, eu sei que cada segundo do dia está na mão de Deus, e eu escolho olhar seriamente esta realidade escolhendo uma decisão precisa: glorificar a Deus em cada ocasião que eu terei de reconhecer sua presença. Antes de “consumir” meu dia, eu o assumirei sem medo. A colocação em lugar de um pequeno reflexo, o “reflexo do coração”, permite entrar pouco a pouco nesse olhar, nessa atitude. Ele consiste em pronunciar em toda ocasião uma breve exclamação que pode ser, a que mais me convém: “Glória a Deus”, “Seja glorificado, Senhor”, ou “Senhor, eu te amo”.
Uma tal exclamação tem a enorme vantagem de por fim a invasão do pecado em mim. Por exemplo, eu sai do chuveiro e não encontro mais a toalha que havia preparado: minha mulher precisou dela para enxugar os cabelos! Antes de deixar complacentemente que se crie em min uma irritação alias para ???? compreensível porém pecado, eu me volto para o reflexo da o olhar de Deus: “Glória a Deus” – mesmo de maneira irritada, a oração produz seu efeito. E se for preciso que eu faça uma reprimenda à minha mulher, essa não será mais sob o pecado, mas sob a caridade.
Outro exemplo, eu me encontro em meu trabalho e os colegas me retardam ainda que e eu tenho um encontro profissional importante. Dizendo “Glória a Deus”, eu remeto toda essa situação a Deus. Eu creio que Ele está presente nesse situação Ademais, minha chateação fará avançar as coisas? E eu sei que não tomo nunca uma boa decisão sob o efeito do pecado! Quando eu chego a esse encontro, meu interlocutor me acolhe com uma xícara de café que ele teve tempo de preparar com o meu atraso. “Glória a Deus”, e o café tem outro gosto, esse da presença amável de Deus e de meus irmãos!” Eu não “consumo” mais eu o recebo, e entro numa atitude de maravilhamento: pois, o Senhor está comigo e Ele envia anjos para preparar meu caminho.
Exercer o louvor
Cada dia pode apresentar mais de cem ocasiões para louvar. Em muitos casos, é verdade, é preciso querer louvar, querer exercer a fé. Se esperamos para ter boa disposição, nós somos ingênuos! Querer louvar, não através de método, mas por obediência. O louvor é com efeito um mandamento que atravessa a Bíblia de ponta a ponta. E como a fé se exerce no sentido onde ela se aprende, o louvor se exerce da mesma maneira. Pouco a pouco, este louvor exercido vai combater mais e mais rapidamente todas as tentações que se apresentarem, tanto nas situações mais graves como nas mais simples, seja uma simples bolsa desaparecida seja um engarrafamento!
Muitos que têm posto no lugar esse “reflexo espiritual”, têm podido atravessar situações dramáticas que vencidas no Senhor não são mais motivos de sofrimento, mas as suportam até o fim com a coragem da fé.
O louvor das crianças na Igreja
O desejo de Deus é maior ainda. Ele não se move para nos fazer chegar a ter melhor relação pessoal, mas uma participação no ser mesmo de Deus e à sua obra de Salvação. A todos esses que vivem com Deus esta relação de fé, de louvor, de obediência e de amor, Deus transforma-os em seus amigos. “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim!”(Gal 2,20), exclama São Paulo. O Espírito Santo permite ao Pai e ao Filho de fazer em nós sua morada. Um só Espírito para um só Corpo: o de Cristo e o da Igreja.
A fé é o fruto da presença em nós do Espírito Santo. É necessário nos abrir à essa presença no tempo e no contratempo. É assim que exercemos a fé e que fazemos a experiência de um crescimento na comunhão com Deus e uns com os outros.
À cada “Glória a Deus” pronunciado, é uma vitória da caridade que arrasta todo o Corpo da Igreja ao louvor. Isso porque a essência da prece é comunitária, eclesial e litúrgica. Quando eu me retiro para o meu quarto para orar, isto não é senão comunhão com todos os meus irmãos e primeiro com aqueles que o Senhor me confia precisamente. Da mesma maneira, não há verdadeiro louvor fora da Igreja.
O conteúdo do louvor
Porém, pensarão alguns, eu não sei o que dizer! Ainda assim, há um meio muito simples. Por que a noite não retorna sobre o dia passado e não marca sobre uma caderneta os momentos fortes que lhe marcaram? Um guardanapo que foi a ocasião de uma bela vitória da caridade sobre nosso pecado; uma xícara de café ofertada e uma situação profissional recuperada de maneira inesperada. A gente fala freqüentemente de exame de consciência da noite, porém ele será renovado por um exame prévio das maravilhas de Deus em nós e ao nosso redor, sem esquecer os acontecimentos do mundo. Em sete dias dá para encher 10 páginas de uma caderneta (inútil relatar os acontecimentos; uma simples anotação basta), e essa caderneta aberta de noite no grupo de oração, dará um conteúdo preciso ao meu louvor. É assim que cada um, ouvindo o louvor uns dos outros, será renovado na fé, na certeza de que Deus está trabalhando hoje, e que o mal que parece vitorioso ao nosso redor, rende as armas diante do poder do louvor.
Não tenhamos medo, em nossas assembléias, de render graças por tudo isso, sem distinguir demasiadamente entre louvor e ação de graças. A ação de graças transforma-se em louvor, porque ela bendiz a Deus que se revela no que Ele faz. Se nós aclamamos Deus como Criador, Salvador, Rei Soberano, Senhor, etc., Ele se manifestará concretamente como tal, e através desta manifestação dele mesmo. É seu ser eterno que é revelado e que nós aclamamos. Aquilo que Deus faz, Ele não cessa de refazer, porque Ele é fiel.
Esta certeza é a da Igreja; ela traz sua prece desde as origens, e cremos que esta Mãe dos viventes, como toda mãe, só é feliz quando seus filhos estão felizes, vivos, firmes, adultos na sua fé, porém sem esquecer que eles são as crianças. Está aí a fonte de nossa alegria, está aí a origem de toda evangelização.

Jean-Luc Moens e Pe. Alain Dumont

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Santa humildade

De todas as virtudes, a humildade parece ser uma das mais difíceis de se alcançar. Todo cristão de verdade deseja crescer em humildade. Mas como fazer isso?

Estas linhas não pretendem ser um manual do tipo “consiga sem esforço”. Não existem rosas sem espinhos. Mas talvez a leitura deste artigo possa ajudar você a crescer nesta virtude, como um GPS que pede uma reorientação da rota.

1. Procure descobrir o melhor de cada um

Todas as pessoas ao seu redor certamente tiveram experiências que você não teve e têm algo a compartilhar. Einstein, um dos grandes cérebros da humanidade, disse: “Nunca conheci uma pessoa que fosse tão ignorante a ponto de não ter nada para me ensinar”.

2. Elogie sinceramente as pessoas

Como se sentirá uma pessoa ao ouvir você contando o que admira dela? Quanto mais você mencionar as qualidades das pessoas que estão ao seu redor, mais virtudes descobrirá nelas, e será mais difícil cair nas armadilhas do egocentrismo.

3. Não demore para reconhecer seus erros

Dizem que a frase mais difícil de pronunciar, em qualquer idioma, é: “Eu errei”. Os que se recusam a dizer isso por orgulho costumam voltar a cair nos mesmos erros e, além disso, acabam se afastando dos outros.

4. Seja o primeiro a pedir perdão após uma discussão

Se a frase mais difícil de se dizer é “Eu errei”, a seguinte mais difícil deve ser: “Me perdoa”… Esta frase tão simples é capaz de matar o orgulho e acabar com a discussão, e assim você mata dois coelhos com uma só cajadada. Mas, para isso, é necessário reconhecer que, assim como os outros, você também comete erros.

5. Reconheça suas limitações e necessidades

É parte da natureza humana querer dar a impressão de ser forte e autossuficiente; isso normalmente só serve para dificultar as coisas. Se você expressa humildade, pedindo ajuda aos outros e aceitando-a, sempre sai ganhando.

6. Sirva os outros

Ofereça-se para ajudar idosos, doentes, crianças ou para prestar algum outro serviço comunitário. Você sairá beneficiado, pois, além de adquirir humildade, ganhará a gratidão e o carinho de muitas pessoas.

7. Reconheça a mão de Deus em suas qualidades

É importante abrir os olhos da alma e considerar que não temos nada totalmente nosso para vangloriar-nos. Deus nos criou e nos deu qualidades e capacidades individuais, por amor. Nunca se esqueça de agradecer ao seu Criador.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Como ler o ícone da Santíssima Trindade




“É absurdo e impróprio pintar em ícones a Deus Pai com barba cinza e o Filho Unigênito em seu seio com uma pomba entre ambos, posto que ninguém viu o Pai segundo a Sua Divindade, que o Pai não tem carne […] e que o Espírito Santo não é, em essência, uma pomba, mas, em essência, Deus” (Grande Sínodo de Moscou, 1667).


Para a Igreja Ortodoxa Russa, representar a Santíssima Trindade na arte tem sido uma questão controversa ao longo dos últimos mil anos. Embora o Concílio de Niceia, em 787, tenha permitido a representação artística de Deus, a Igreja Ortodoxa Russa se mostrou descontente com as imagens populares de Deus Pai e de Deus Espírito Santo.


Eles consideraram que o homem de barba grisalha e a pomba não faziam jus ao mistério insondável do Deus trino e uno. Em vez daquelas difundidas imagens de Deus, eles optaram por usar o ícone da Trindade de Andrei Rublev como adequado para representar o Pai, o Filho e o Espírito Santo.


O ícone russo é difícil de entender para as pessoas de fora da tradição ortodoxa, e, à primeira vista, nem parece representar a Santíssima Trindade. A cena central do ícone vem do livro do Gênesis, quando Abraão recebe três estranhos em sua tenda:


“O Senhor apareceu a Abraão nos carvalhos de Mambré, quando ele estava assentado à entrada de sua tenda, no maior calor do dia. Abraão levantou os olhos e viu três homens de pé diante dele. Levantou-se no mesmo instante da entrada de sua tenda, veio-lhes ao encontro e prostrou-se por terra (…) Abraão serviu aos peregrinos [pães, um novilho tenro, manteiga e leite], conservando-se de pé junto deles, sob a árvore, enquanto comiam” (cf. Gênesis 18, 1-8).


O ícone de Rublev apresenta a cena com os três anjos, semelhantes na aparência, sentados a uma mesa. A casa de Abraão aparece ao fundo, bem como um carvalho atrás dos três convidados. Embora o ícone pinte esta cena do Antigo Testamento, Rublev usou o episódio bíblico para fazer uma representação visual da Trindade que se encaixa nas estritas diretrizes da Igreja Ortodoxa Russa.


O simbolismo da imagem é complexo e procura resumir a doutrina teológica da Igreja sobre a Santíssima Trindade. Primeiro: os três anjos são idênticos em aparência, correspondendo à fé na unicidade de Deus em três Pessoas. No entanto, cada anjo veste uma roupa diferente, trazendo à mente que cada pessoa da Trindade é distinta. O fato de Rublev recorrer aos anjos para retratar a Trindade é também um lembrete da natureza de Deus, que é espírito puro.


Os anjos são mostrados da esquerda para a direita na ordem em que professamos nossa fé no Credo: Pai, Filho e Espírito Santo. O primeiro anjo veste azul, simbolizando a natureza divina de Deus, e uma sobrepeça púrpura, indicando a realeza do Pai.


O segundo anjo é o mais familiar, vestindo trajes tipicamente usados por Jesus na iconografia tradicional. A cor carmesim simboliza a humanidade de Cristo, enquanto o azul é indicativo da sua divindade. O carvalho atrás do anjo nos lembra a árvore da vida, no Jardim do Éden, bem como a cruz sobre a qual o Cristo salvou o mundo do pecado de Adão.


O terceiro anjo veste o azul da divindade e uma sobrepeça verde, cor que aponta para a terra e para a missão da renovação do Espírito Santo. O verde é também a cor litúrgica usada em Pentecostes na tradição ortodoxa e bizantina. Os dois anjos à direita do ícone têm a cabeça ligeiramente inclinada em direção ao outro, ilustrando que o Filho e o Espírito procedem do Pai.


No centro do ícone há uma mesa que se assemelha a um altar. Colocado sobre a mesa, um cálice dourado contém o bezerro que Abraão preparara para seus hóspedes; o anjo central parece estar abençoando a refeição. A combinação dos elementos nos lembra o sacramento da Eucaristia.


Embora não seja a representação mais direta da Santíssima Trindade, é uma das mais profundas jamais produzidas. Permanece nas tradições ortodoxas e bizantinas a principal maneira de representar o Deus Uno e Trino. Este ícone, de fato, é tido em alta estima também na Igreja Católica Romana e é frequentemente usado por catequistas para ensinar sobre o mistério da Trindade.


E a Trindade é, em suma, um mistério – e sempre o será nesta terra. Às vezes, porém, nos são concedidos vislumbres da vida divina, e o ícone de Rublev nos permite espreitar brevemente por trás do véu.


ESTRUTURA GEOMÉTRICA


Como todo ícone, este também foi "escrito" com base numa estrutura geométrica muito precisa, na qual cada elemento tem uma proporção estabelecida em relação aos outros e encontra o seu lugar segundo o seu significado e o seu valor simbólico. Essa estrutura dá equilíbrio e harmonia a todo o conjunto.


Toda composição do ícone de Rublev foi construída sobre a Cruz, que constitui a estrutura geométrica principal. A sua vertical, como eixo central (E-P), liga a árvore, a cabeça do anjo central, o cálice e o retângulo dos mártires. A linha horizontal da cruz (F-G), liga a cabeça dos anjos laterais, passando pela fronte do anjo central, desde a arquitetura até o monte.


Os anjos aparecem sob um círculo que indica a plenitude e a perfeição e sublinha a circularidade dos olhares de Amor das Três Pessoas. A mão do anjo central é o centro da circunferência, onde estão as três cabeças.


Também o cálice, com a cabeça do cordeiro imolado sobre o altar, está dentro de um círculo, em torno do qual se concentram todos os outros, constituindo assim, o centro móvem do ícone. Acima da cabeça do anjo central (E) forma a ponta do triângulo, cuja base (A-B) é a linha inferior do ícone. O segundo triângulo se apresenta inverso. Sua base (C-D) é a linha superior do ícone.


Todo o ícone está inscrito em um octógono. "O número oito simboliza o poder celestial na Terra, o dia após o sétimo dia da criação, a ressurreição de Cristo e o começo da perfeição. A figura geométrica octógono, já é símbolo da perfeição desde a Antiguidade. É a fusão entre o infinito, o céu (círculo) e a área delimitada, os quatro pontos cardeais terrenos (quadrado)", o número simbólico dos quatro evangelistas: é o sinal da universalidade da Palavra.


O espaço compreendido entre os dois anjos laterais assume a forma de um cálice que sobe de baixo: o Pai e o Espírito Santo "contém" o Corpo e o Sangue de Cristo.


OS TRÊS ANJOS


Os três anjos, perfeitamente iguais e, todavia diferenciados, representam um só Deus em três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.


É próprio da Santíssima Trindade diversificar, quanto ser una e indivisível, na sua essência e nas suas manifestações, embora na diversidade das Pessoas. Conhecemos o Pai através do Filho: Quem me vê, vê o Pai (Jo 14,19). Conhecemos o Filho através do Espírito Santo: Ninguém pode dizer Jesus Cristo é o Senhor, senão por meio do Espírito Santo (1 Cor 12, 3).


Os cetros idênticos indicam a igualdade do poder do qual cada anjo é dotado. A diversidade é expressa através das cores das roupas, mas sobretudo pela atitude pessoal de cada um em relação aos outros.


No anjo da esquerda se reconhece a figura Pai, no anjo central a do Filho e no anjo da direita a figura do Espírito Santo.


O PAI


O anjo da esquerda, o Pai, veste um manto lilás sobre uma túnica azul, símbolo da sua divindade. O lilás é uma cor evanescente, quase transparente, sinal do mistério e da transcendência.


O seu manto cobre os seus dois ombros, ao contrário do Filho e do Espírito, porque Ele não é enviado, mas envia os outros. Este seu envio é indicado também é indicado pelo pé esquerdo, que parece estar iniciando um passo de dança, ao qual o Espírito, enviado ao mundo depois do Filho, responde.


Tudo converge para ele, como para a fonte: os outros dois anjos, a rocha, a casa e a árvore. Está estático, reto, porque esta pessoa é a origem de si mesma: é o sinal da majestade e a referência para os outros dois.


O gesto da mão e o olhar parecem confiar uma missão ao Filho que a acolhe, curvado, em sinal de consentimento. As suas mão não tocam a Terra-altar, mas a abençoam com os dois dedos da mão direita levantados; Ele não está no mundo. A cabeça inclinada indica que ele acolhe a oferta amorosa do Filho.


O FILHO


O anjo central, o Filho, traja a túnica vermelha: simbolo da natureza humana assumida na encarnação; o manto azul é sinal da natureza divina da qual se "vestiu" depois da sua vida na terra e cobre um só ombro, porque Ele é enviado pelo Pai. A estola dourada indica a sua missão vitoriosa do Cristo "sumo sacerdote", que se deu a si mesmo para a salvação do mundo e ressuscitou.


O seu corpo curvado e o olhar de Amor voltado para o Pai indicam a aceitação e a docilidade à vontade paterna. Está comunicando com o Pai a respeito da missão que cumpriu.


A sua mão direita, apoiada à Terra-altar, é a mais próxima do cálice da oferta, porque ele é a oferta simbolizada pela cabeça do cordeiro. A mão reproduz o gesto de abençoar do Pai e o ato de apoiá-la à Terra-altar, indica a sua descida ao mundo através da encarnação; os dois dedos são símbolo das suas duas naturezas: Ele é plenamente Deus e plenamente homem.


O ESPÍRITO SANTO


O anjo da direita, o Espírito Santo, traz a túnica azul, símbolo da sua divindade, um manto verde-água, cor da vida, do crescimento e da fertilidade. No campo espiritual o verde é o símbolo da força vivificante do Espírito, que ressuscitou Cristo e comunicou ao mundo a plenitude do significado da Ressurreição.


É Ele quem dá a vida: o Espírito de Amor e da comunhão. Dos três, este é o anjo que tem a expressão mais reservada.


A sua figura é a mais curvada sobre a mesa, em atitude de escuta, de humildade e de docilidade. Revela-nos um aspecto novo do Amor, tipicamente feminino, que é também necessidade de ser acolhido, protegido, para ser fecundado.


A sua mão pendente sobre a Terra-altar indica a direção da bênção: o mundo ao qual o Espírito dá vida e crescimento, fazendo germinar o cálice do sacrifício e o seu fruto.


O Espírito está participando profundamente do diálogo divino e está pronto para ser enviado ao mundo para continuar a obra do Filho. O manto, apoiado sobre um dos seus ombros e o pé que está respondendo à dança iniciada pelo Pai, são símbolos do seu estar preparado para partir para cumprir a missão que lhe foi confiada: Quando o Espírito vier, Ele vos guiará a verdade toda inteira... dirá tudo que já foi dito e lhes anunciará as coisas futuras (Jo 16, 13).


Todo o simbolismo iconográfico do ícone da Trindade nos mostra a tese eclesiológica fundamental: a Igreja é uma revelação do Pai no Filho e no Espírito Santo.


OS OUTROS ELEMENTOS


Atrás do Pai se vê a casa de Abraão, que se tornou templo, morada do Pai e símbolo da Igreja, sua Filha, porque "corpo" de Cristo, segundo a teologia paulina.


O carvalho de Mambré se transforma na árvore da vida: a cruz de Cristo, o homem novo, pagou o resgate da humanidade.


A rocha-monte atrás do Espírito Santo é, ao mesmo tempo, símbolo de proteção, de lugar "teofânico", isto é, lugar onde Deus se manifesta e símbolo da ascensão espiritual.


O vitelo ofertado por Sara numa bandeja se torna o cálice eucarístico.


O ouro, símbolo da luz divina: o fundo e as auréolas douradas são símbolos da luz divina, como o sol é fonte de toda luz e cor.





No ícone a luz não é natural, mas espiritual; provém da graça recebida, por meio do Espírito, antes de tudo pelo iconógrafo, na contemplação do mistério que ele vai representar, depois por quem contempla o ícone com a mesma atitude de oração.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Anel de Tucum: história, sentido e significado


Essa semana, uma aluna veio perguntar-me o sobre o anel preto que ocasionalmente uso na mão direita. O famoso “anel de Tucum”. Ela usava um também, meio que por meio da formação de sua Diocese, que possuía uma forte experiência passada com a Teologia da Libertação e, conseqüentemente, alguns aspectos ainda eram presentes no comportamento dos fieis.

Para precisarmos nossa conversa, Anel de tucum é um anel feito da semente de tucum, uma espécie de palmeira nativa da Amazônia. É utilizado por fiéis cristãos como símbolo do “compromisso preferencial” das igrejas, especialmente da Igreja Católica, com os pobres. Sim, essa expressão vem dos anos posteriores ao Concílio Vaticano II e foi assumida e repetida nos CELAM’s de Medellin e Puebla.


O uso de anéis é muito antigo e está mais ligado a um simbolismo ritual que a simples prática de adorno corporal. O anel mantinha uma dimensão sagrada como símbolo do que é santo, divino, intacto. Desde os egípcios, assírios, persas, o anel tem essa simbologia sagrada, de união, de compromisso, muito além de simples adorno. No corpo das Sagradas Escrituras, é símbolo de pacto de paz ou matrimonial, alem de revelar a dignidade de pertença a uma determinada família. Faço essa digreção histórica para que possamos perceber que o anel de tucum não é um modismo atual e, menos ainda, a compra da ideologia teológica marxista da Teologia da Libertação, mas antes, pode significar a adesão a um projeto de vida que se oriente para a simplicidade evangélica.

Na época do Império no Brasil, quando o ouro era usado em grande escala entre os ricos proprietários de terra, principalmente nos anéis, os negros e os índios, não tendo acesso ao ouro, criaram o ANEL DE TUCUM como símbolo de pacto matrimonial, símbolo de amizade entre si e também de resistência na luta por libertação. É o processo que Pierre Bordieu chama de dominação simbólica, em que os símbolos da classe dominante vai sendo assumido de forma adaptada pela classe imediatamente inferior, em um processo inconsciente de afirmação de que a classe dominante tem os critérios desejáveis de vida.

O objetivo é resgatar este símbolo é o compromisso e denunciar as causas da pobreza. Este é o compromisso simbolizado nesta aliança natural e escura, cuja única riqueza é a simplicidade.

Além da Bíblia, a opção pelos pobres é testemunhada também por toda a tradição da Igreja, principalmente na experiência dos santos. Esta opção é a essência mesmo da vida cristã porque está ligada à imitação da vida de Cristo. Mas esta opção não é apenas uma responsabilidade individual ou a decisão para revolta e mudança social, se caracteriza por um posicionamento existencial diante da vida, do outro e de Deus, do Deus que está do lado dos pobres porque ama os pobres. Por isso o cristão é chamado a seguir este mesmo exemplo de amor e opção preferencial que tenta promover a dignidade humana. No pobre revela-se o rosto do próprio Deus (Mt 25,40).

Infelizmente, na sociedade líquida em que vivemos, também o poder dos símbolos vai se perdendo. Alguns, sem base e conhecimento algum, afirmam que o anel de tucum é um modo de anunciar a própria homossexualidade ou um adereço do fã club de determinada artista. Grande ignorância que não percebe que o dito artista usa o anel por suas raízes Católicas. Quanto a questão da sexualidade, infelizmente tal confusão vem do fato de que a teologia da Libertação, por sua base marxista, acabava relaxando muitos aspectos da doutrina eclesiástica, misturando o verdadeiro empenho pelo Reino de Deus com a ambição desmedida de instaurar um governo comunista na América Latina.

Não quero demonizar a teologia da Libertação, uma vez que reconheço profundos valores evangélicos e sociais nela, contudo, por uma questão de consciência, sou obrigado a reconhecer que sua proposta de solução é puramente materialista e não reconhece que o homem e a sociedade não são só entidades materiais.


Que aqueles que decidem usar o anel de tucum possam se lembrar das sábias palavras de Dom Pedro Casaldáliga: “(…) Este anel é feito a partir de uma palmeira da Amazônia. É sinal da aliança com a causa indígena e com as causas populares. Quem carrega esse anel significa que assumiu essas causas. E, as suas conseqüências. Você toparia usar o anel? Olha, isso compromete, viu? Muitos, por causa deste compromisso foram até a morte (…)”.

sábado, 23 de julho de 2016


Como compreender um texto Filosófico 
Kant, Descartes, Sócrates, Aristóteles, Hume, Voltaire, Maquiável – esses, dentre muitos outros, são autores renomados da filosofia e que todo o estudante da mesma, cedo ou tarde, terá de se deparar com alguma obra. E, tão logo isso aconteça, um problema nos salta aos olhos: como compreender o que esta escrito na referida obra?
Em primeira instância, parece uma questão trivial. Porém, basta olharmos, por exemplo, para um simples fragmento da obra A Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant, para compreendermos a essência do problema:
Ser não é, evidentemente, um predicado real, isto é, um conceito de algo que possa acrescentar-se ao conceito de uma coisa; é apenas a posição de uma coisa ou de certas determinações em si mesmas. No uso lógico é simplesmente a cópula de um juízo. A proposição ‘Deus é onipotente’ contém dois conceitos que têm os seus objetos: Deus e onipotência; a minúscula palavra ‘é’ não é um predicado mais, mas tão-somente o que põe o predicado em relação com o sujeito. Se tomar pois o sujeito (Deus) juntamente com todos os seus predicados (entre os quais se conta também a onipotência) e disser ‘Deus é’, ou existe um Deus, não acrescento um novo predicado ao conceito de Deus, mas apenas ponho o sujeito em si mesmo, com todos os seus predicados e, ao mesmo tempo, o objeto que corresponde ao meu conceito
O leitor não habituado com a natureza dos textos filosóficos, tendo contato com texto supracitado, perceberá as enormes dificuldades acerca da compreensão do mesmo. Donde, compreender-se-á que a leitura de tais textos – principalmente os mais antigos – requer um conhecimento prévio, requer um método – e portante, não é à toa que as universidades, no currículo do curso de filosofia, costumam inserir logo no seu início uma disciplina chamada Metodologia Filosófica ou Introdução aos Textos Filosóficos, dentre outras nomenclaturas.
Por conseguinte, aquele que se propõe a estudar, analisar, criticar, concordar ou discordar de algumtexto, antes de mais nada, deve estar disposto à compreender este mesmo- , para tal se faz necessário entender o pretexto, i. é, a motivação do escritor que levou-o a escrever determinada coisa. E para isso, se faz necessário compreender o contexto, i. é, a localização sócio-histórico-politico-cultural do autor. Para compreender Aristóteles, se faz necessário saber como a sociedade grega estava organizada na época, que ele não era um ateniense, dentre outros fatores que o influenciaram nas suas ideias. Com isso, entender-se-á que o motivo que levou Aristóteles, em sua Ética à Nicômaco, a defender a escravidão, não foi o mesmo motivo que levou o empirista britânico John Locke à fazê-lo, assim como esclarecer-se-á a diferença de argumentação entre ambos, para sustentar o que é, aparentemente, a mesma afirmação. No entanto, mais importante do que compreender o que ambos, Locke e Aristóteles, sustentam, é não julga-los pelos atuais valores sociais que condicionam a nossa visão de mundo – nosso contexto, completamente distinto dos supracitados, encerra um círculo hermenêutico que não se pode ignorar, e olhar para estes ou para qualquer outro pensador com um olhar pejorativo seria uma atitude cega e impensada.

Compreendendo o contexto e posteriormente o pretexto (nesse ponto, surge a importância de ler um resumo biográfico dos autores), entender otexto propriamente torna-se uma tarefa bem menos árdua – ou seja, para compreender o trecho citado no inicio deste artigo, se faz necessário saber que Immanuel Kant viveu entre os séculos XVIII e XIX na cidade de Königsberg (antiga Prússia); que foi altamente inspirado pelo filósofo empirista David Hume; que o trecho pertence à uma obra sobre Epistemologia, na qual Kant tenta responder à pergunta das condições de possibilidade do conhecimento e que na seção aonde encontra-se o texto em questão, Kant dedica-se à refutar a ideia de uma prova ontológica da existência de Deus concebida por pensadores como Descartes e Santo Anselmo.
Portanto, estudar filosofia necessariamente pressupõe conhecer história – pelo menos no que tange ao(s) autor(es) abordado(s). Para tal, em outro momento, será dedicada uma abordagem aos grandes contextos pela qual a filosofia passou – desde os tempos pré-socráticos, até a era contemporânea.

Em relação à leitura do texto filosófico propriamente dita, seguiremos uma obra entitulada Metodologia Filosófica, escrita por Dominique Folscheid e Jean-Jacques Wunenburger. Sintetizando, a obra sugere uma decomposição do texto, procurando definir os seguintes itens:
  • Tema: i. é, sobre o que o autor esta falando no texto, do início ao fim;
  • Tese: a afirmação central do autor, ou seja, qual seu posicionamento a respeito do tema;
  • Problema: o conjunto do tema, da tese e da movimentação argumentativa do autor, suscita uma série de problemas que o autor tentará responder – o foco aqui é detectar qual(is) são este(s) problema(s);
  • Movimentação argumentativa: é o conjuntoordenado de argumentos da qual o autor se utiliza para sustentar sua tese. É uma movimentação essencialmente lógica, i. é, apresenta uma série de premissas, da qual se infere uma ou mais conclusões, e usando dessas conclusões como novas premissas, infere-se em outra conclusão, até atingir sua tese (importante ressaltar que cada autor tem sua forma de elaborar um determinado texto: alguns preferem anunciar sua tese logo no início e em seguida, apresentar seus argumentos; outros, em contrapartida, preferem deixar para apresentar sua tese central no fim do texto, assim como existem outros que apresentam sua tese no meio do texto);
  • Conceitos-chave: neste ponto, apresenta-se a importância de se ter um dicionário filosófico em mãos – pois existem certas palavras-chave na qual cada autor atribuí seu significado específico, mas nem sempre ele faz questão de explicar esse significado. Por conseguinte, anotar os termos centrais do texto para posterior consulta a um dicionário, é de vital importância para a compreensão do mesmo: por vezes, pensamos que um texto critica e discordamos dele por tal, enquanto na verdade ele crítica Y, posto que ele pode ter usado um termo que é normalmente associado à uma tal ideia para referir-se à uma outra ideia diferente da primeira.
A forma mais didática de se realizar este exercício é executá-lo na ordem contrária na qual os itens foram apresentados: primeiro, deve se anotar os conceitos-chave do texto; segundo, determinar quais são os argumentos do texto e em qual ordem aparece, tomando o cuidado para não confundir um argumento qualquer com a tese do autor; terceiro, analísa-se os argumentos para suscitar os problemas os quais o autor tenta responder; por último, levantando as respostas sugeridas pelo autor a esses problemas, procura-se estabelecer qual a sua afirmação central, i. é, afirmação na qual gira em sua volta todos os argumentos do autor – sua tese. Partindo desta, determina-se qual o tema do texto.
Utilizando-se desta metologia, vamos analisar o trecho da obra de Kant citada no início do texto:
  • Sua tese é apresentada logo na primeira linha do texto:
SER NÃO É, EVIDENTEMENTE, UM PREDICADO REAL, ISTO É,UM CONCEITO DE ALGO QUE POSSA ACRESCENTAR-SE AO CONCEITO DE UMA COISA
O que esta em negrito é sua afirmação, sendo que a expressão em destaque – predicado real – é considerada um conceito-chave de vital importância. A seguir, na parte sublinhada, Kant fornece uma lacônica e contundente explicação desse conceito, que será explicada posteriormente no próprio texto. Deste ponto, já é possível determinar o tema central do texto (ainda que este ficará mais clara nos argumentos posteriores): “O significado do juizo de existência, do ‘ser’, do ‘algo existe’ – assim como já é possível imaginar a problemática que o texto tenta responder: Qual o significado do verbo ‘ser? ou Existe um significado particular para o verbo ‘ser’?
  • Continuando na mesma sentença, encontramos seus dois argumentos principais, que não deixam de ser uma parte crucial de sua tese:
É APENAS A POSIÇÃO DE UMA COISA OU DE CERTAS DETERMINAÇÕES EM SI MESMAS. NO USO LÓGICO É SIMPLESMENTE A CÓPULA DE UM JUÍZO.
Cada um dos argumentos foi destacada de uma forma – o primeiro em sublinhado, o segundo em negrito, e então se percebe que Kant esta oferecendo uma resposta à questão Qual o significado do verbo ‘ser’? – e temos ai o problemacentral do texto.
  • Posteriormente, Kant apela para o seguinte exemplo:
A PROPOSIÇÃO ‘DEUS É ONIPOTENTE’ CONTÉM DOIS CONCEITOS QUE TÊM OS SEUS OBJETOS: DEUS E ONIPOTÊNCIA; A MINÚSCULA PALAVRA ‘É’ NÃO É UM PREDICADO MAIS, MAS TÃO-SOMENTE O QUE PÕE O PREDICADO EM RELAÇÃO COM O SUJEITO.
Este trecho serve de sustentação para o segundo argumento (ser enquanto cópula de um juízo). Aqui, ele explicita a função semântica do verbo ser na frase ‘Deus é onipotente’ que aparece conjugado na 3ª pessoa do singular (é): este executa a mera função de conectar o sujeito Deus com o predicado onipotente; ao passo que onipotente é considerado um predicado real, ou seja, ele é acrescentado ao conceito Deus, e acaba por expandir seu significado. Aqui, Kant quer demonstrar que o verbo ser não possui a mesma função do adjetivo onipotente, i. é, o ser não expande o conceito de Deus e, portanto, não é um predicado real (tese).
  • E para sustentar seu primeiro argumento – o ‘ser’ sendo usado para evidenciar a posição do sujeito ou de suas determinações -, Kant diz:
SE TOMAR POIS O SUJEITO (DEUS) JUNTAMENTE COM TODOS OS SEUS PREDICADOS (ENTRE OS QUAIS SE CONTA TAMBÉM A ONIPOTÊNCIA) E DISSER ‘DEUS É’, OU EXISTE UM DEUS, NÃO ACRESCENTO UM NOVO PREDICADO AO CONCEITO DE DEUS, MAS APENAS PONHO O SUJEITO EM SI MESMO, COM TODOS OS SEUS PREDICADOS E, AO MESMO TEMPO, O OBJETO QUE CORRESPONDE AO MEU CONCEITO.
Neste trecho, Kant se dirige diretamente para os juízos de existência, por exemplo: “Deus existe”; “Deus é”, ou podemos alterar o exemplo para facilitar o entendimento: “O livro éazulpequeno e existe.” Neste último exemplo, a frase atribuí dois predicados reais ao sujeito livro: azul e pequeno. O adjetivo existe (“é”) não pode ser considerado um predicado real (tese), pois este – em contrapartida aos conceitosazul pequeno – não aumenta meu conceito de livro, mas sim, coloca o sujeito em questão (juntamente com todos os seus predicados reais) em evidência, relacionando esse sujeito com o objeto empírico que corresponde meu conceito de livro (claro, no texto, o exemplo utilizado é Deus e não livro).

Deste ponto, o trecho que era inicialmente de difícil compreensão torna-se legível até para os mais leigos no assunto, e a filosofia deve ser assim: clara, sucinta e metódica. Claro, Kant escrevia de tal maneira devido ao contexto sócio-histórico-político-cultural em que vivera, por isso seus textos – assim como o de muitos outros – tende a ser de dificílima compreensão. Contudo, com o método adequado, não existe texto impossível de ser compreendido (com exceção daqueles que escrevem na pura intenção de confundir os leitores – mas estes nem deveriam se encaixar na concepção de filosofia).
Bibliografias:
– FOLSCHEID, Dominique; WUNENBURGER, Jean-Jacques; Metodologia Filosófica, Martins Fontes, São Paulo, 2002