segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

O Deus enforcado

Havia no campo de concentração um garoto, um pipel, como eram chamados. Um dia, quando voltávamos do trabalho, vimos três forças armadas no local onde nós reuníamos quando era feita a chamada. Fizeram a chamada. Os homens da SS às nossa volta; metralhadoras apontadas: cerimônia tradicional. Três condenados estavam acorrentados e, entre eles, o pequeno pipel. O chefe do campo leu o veredicto. Todos os olhares estavam fixos sobre o menino. Ele estava lívido, quase calmo, mordendo os lábios e coberto pela sombra da forca. Os três condenados subiram ao mesmo tempo nas cadeiras. O pescoço dos três foi introduzido nas cordas.
"Vida longa à liberdade", gritaram os dois adultos.
A criança continuou silenciosa.
"Onde está Deus? Onde está ele", alguém perguntou atrás de mim.
Ao sinal do chefe do campo, as três cadeiras tombaram.
Total silêncio atravessou o campo. Sobre o horizonte, o sol se punha.
Então o desfile começou. Os dois adultos não estavam mais vivos. Suas línguas inchadas penduradas, tingidas de azul. Mas a terceira corda continuava se movendo; sendo tão leve, a criança continuava viva…
Por mais meia hora ele continuou lá, lutando entre a vida e a morte, morrendo em lenta agonia sob nossos olhos. E nós tivemos que olhá-lo de cheio em sua face.
Ele ainda estava vivo quando passei em frente dele. Sua língua continuava vermelha, seus olhos ainda não estavam vidrados.
Atrás de mim, escutei o mesmo homem perguntando:
"Onde está Deus agora?"
"Onde está ele? Aqui está Ele – Ele está pendurado aqui na forca…"
Naquela noite a sopa tinha gosto de cadáveres.

(Uma tradução minha da obra de Elie Wisel, The night. p. 102-105)
Uma reflexão: Deus, ao criar o mundo, deu tudo o que podia dar; agora ele suporta em silêncio as consequências de ter criado o mundo, principalmente os resultados da liberdade humana. Em tudo, Ele se dispõe manifestar o poder de Seu braço tirando dos males que causamos um Bem maior, que só pode vir do Transcendente!

#filosofia #teologia