sexta-feira, 28 de abril de 2017

Totus tuus


Entre os imensos frutos de revigoração do fervor que a Efusão do Espírito Santo tem gerado entre nós, temos observado um que é especialíssimo por se referir à devoção a Nossa Senhora: o mesmo Espírito Santo que gerou Jesus no seio de Maria, tem inspirado cada vez mais os batizados a assumir a filiação a esta Mãe Santíssima, que nos foi entregue por seu Filho ao pé da cruz. Nós a assumimos como Mãe e temos renascido espiritualmente dela.
Um grande sinal desta entrega é o aumento significativo da prática tão antiga e nova da consagração total a Jesus Cristo pelas mãos de Maria, ensinada por São Luís Maria Grignion de Monfort. O que posso testemunhar acerca desta consagração, é que tem sido grande fonte de libertação interior e de conversão da minha vida a Jesus Cristo.
Parece algo contraditório, mas o que se comprova na prática é que este ato de consagração, através do qual clamamos a Maria que nos apresente a Jesus na qualidade de escravos, entregando à sua administração todos os possíveis méritos de nossos atos e orações, traz imensos frutos de libertação para nossa vida. Como pode isto acontecer?
A graça
Sabemos que a graça é uma ação misteriosa de Deus em nossa vida e, portanto, ultrapassa o raciocínio humano, de modo que seria inútil tentar explicar inteiramente aqui este ato de fé, que é mistério para ser aceito e vivido. Mas em respeito à nossa humanidade, Deus, cheio de misericórdia – através das Escrituras e do ensinamento da Igreja – se curva sobre nós para tentar nos “explicar” o inexplicável.
Enquanto a imensa graça deste ato de consagração tem arrebatado imediatamente a uns, que fazem-na sem nada perguntar, outros querem ardentemente fazê-lo, mas surgem no seu coração certos temores, especialmente no que se refere ao seu papel intercessor: “Se fizer este ato de consagração, não poderei mais interceder especificamente por aqueles que me pedem orações? Não poderei oferecer por eles atos de sacrifício? Estarei me tornando escravo de Nossa Senhora ou de seu Filho Jesus? Entregarei meus méritos a Nossa Senhora ou a Jesus?”
Para que não existam mais esses temores, penso que seria importante recordar uma Palavra da Carta de São Paulo aos Coríntios acerca da criatura humana que precisamos encarar e aceitar: “Que tens que não hajas recebido?” (1Cor 4,7b).
Na realidade, tudo o que possamos ser, ter ou fazer é puro dom de Deus para nós. Consagrar os frutos de nossos méritos a Jesus é entrar na verdade da nossa relação com Ele: Deus é nosso Pai e nada temos, somos ou podemos fazer sem que Ele nos conceda. Portanto, nossos pretensos méritos são como “moedinhas” que Ele mesmo coloca em nossos “bolsos” para comprarmos um presente para Ele.
Comunhão dos Santos
Outro importante instrumento de compreensão do ato de consagração a Jesus por Maria é a meditação no mistério da Comunhão dos Santos: uma vez que todos os batizados formam um só “corpo” espiritual, cuja “cabeça” é Cristo, o bem de Cristo é comunicado a nós, e todo bem que recebemos dele é comunicado entre nós como a seiva é comunicada a todos os ramos de uma árvore. Como então pretendermos dominar este processo “determinando” a Deus o bem que Ele deve fazer a esta ou àquela pessoa através de nós?
É claro que devolver a Deus este direito que já é dele não significa sermos impedidos de interceder por aqueles que nos pedem orações. Mas significa deixar que Deus tome inteiramente em suas mãos os resultados de nossos atos e orações, e o faça pelas mãos daquela que foi escolhida para que Jesus, fonte de toda graça, viesse habitar em nós e nos dar tudo o que somos, temos ou fazemos. Maria é a porta por onde recebemos Jesus e toda graça; é também a porta por onde devolvemos a Jesus o direito sobre tudo o que temos, somos e fazemos.
Consagrar-nos a Jesus pelas mãos de Maria não é um favor que fazemos a Jesus, nem um sacrifício, mas uma grande bênção, um imenso dom, uma profunda alegria, e a restauração da consciência de uma verdade fundamental da nossa vida: somos dele, somos portanto de sua e nossa Mãe, Maria!
Na vida
Gostaria também de partilhar aqui um outro aspecto do ato de consagração a Jesus pelas mãos de Maria que toca profundamente o meu coração: o aspecto vivencial. Como São Luís de Monfort mesmo diz no seu “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”, a entrega total a Maria é uma perfeita renovação das promessas do nosso Batismo. Pelo Batismo, renunciamos a Satanás e a compactuar com suas obras, renunciamos ao pecado e a fazer prevalecer a nós mesmos. Na entrega total a Maria, renovamos esta renúncia e ainda damos expressamente a Nosso Senhor, pelas mãos dela, o valor que Deus quiser dar às nossas ações e orações. Jesus se deu inteiramente a nós e o quis fazê-lo pelas mãos de Nossa Senhora, e agora nos devolvemos inteiramente a Ele também do mesmo modo: pelas mãos de Nossa Senhora.
Maria é a porta do céu, a porta das graças que circulam no corpo da Igreja. No entanto, durante a vida, Maria permaneceu muito oculta. A sua humildade foi tão profunda, que não teve na terra atrativo mais poderoso nem mais contínuo que o do escondimento para que só Deus a conhecesse. São Luís Maria de Monfort diz que o próprio Filho quis escondê-la durante sua vida, e em certa ocasião chegou a tratá-la como uma estranha para favorecer sua humildade, embora no seu coração a amasse mais do que a todos os anjos e a todos os homens.
Portanto, a nossa entrega a Maria precisa se efetivar na nossa vida através de atos concretos de humildade e aceitação de toda humilhação. Depois de nos consagrar a Jesus por intermédio dela, torna-se um absurdo ainda querermos fazer prevalecer nossa pessoa, nossas idéias, nossa vontade em qualquer situação da nossa vida diária. Daí o perigo de nos tornarmos pessoas consagradas a Nossa Senhora, muitas vezes ostentando um belo anel no dedo, sem nos lembrar que escolhemos livremente estar no lugar onde ela esteve com seu Filho Jesus enquanto viveram nesta terra: eles escolheram o último lugar, o lugar de servos, renunciando a todo direito de ditar normas ou prevalecer sua vontade diante de Deus.
Se estamos dispostos a abraçar esta grande graça de estar no lugar escolhido por Jesus e Maria nesta terra, vale a pena nos consagrar a Nossa Senhora. Mas se ainda desejamos conservar algum direito para nós nesta vida, nos preparemos melhor para viver esta devoção, porque ela envolverá desde as pequenas às grandes situações que encontraremos.
Esta escolha do último lugar, decorrente da consagração a Jesus por intermédio de Maria, vai muito além de um lugar físico ou de uma função no serviço da Igreja, que aos olhos de alguns pode parecer significar grandeza ou pequenez. Trata-se do espírito de pequenez, que o Espírito da verdade nos ensina a viver, conforme Cristo mesmo esclareceu no seu diálogo com a mãe dos filhos de Zebedeu (cf. Mt 20,20-28). Aquela mãe, na sua ingenuidade, pediu que Jesus colocasse seus filhos um à direita e o outro à esquerda dele no Reino de Deus, e Ele, após lhes perguntar se estariam dispostos a beber da “taça” da entrega total de sua vida, declarou que somente ao Pai caberia concedê-lo. E aproveitou a ocasião para ensinar aos seus discípulos: “Como sabeis, os chefes das nações as mantêm sob seu poder, e os grandes, sob seus domínios. Não deve ser assim entre vós. Pelo contrário, se alguém quer ser grande entre vós, seja vosso servo, e se alguém quer ser o primeiro entre vós, seja o vosso escravo. Assim é que o Filho do Homem veio, não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate pela multidão” (cf. Mt 20,25-28).
Através daquela por quem veio a nós o Servo dos servos e foi a primeira a servir a Deus sem reserva, com a entrega total de sua vida, podemos nos consagrar, segundo a devoção ensinada por São Luís de Montfort, sabendo estar renunciando a todo pretenso direito, não só na outra vida, mas desde já, em cada situação do nosso dia-a-dia.
Sabendo disto, como pode alguém que se consagrou a Jesus pelas mãos de Maria ainda exigir direitos, consolos, regalias, reparação de ofensas recebidas, considerações, atos de gratidão ou prevalência da sua opinião diante de alguém? Tudo isto, até somos capazes de sentir, porque somos humanos e tais desejos se levantam dentro de nós. Mas um consagrado a Jesus por Maria rejeita tais pensamentos e até os confessa se neles consentiu ou agiu.
Queridos consagrados a Jesus por Maria, submetamos a cada dia todos os nossos desejos aos de Jesus e Maria, de modo que se os nossos não forem conforme os deles, possamos deixar que sejam aniquilados, e com eles todo egoísmo que nos separa de Deus, para chegarmos à união completa com Ele. E que o Senhor conceda mais e mais aos corações dos batizados o desejo de consagrar-se assim para sempre, pelas mãos de nossa querida Mãe!

Resenha: Thirteen reasons why


Em #13ReasonsWhy, um tema delicado e um gênero em ascensão na literatura são a base para uma série que conjuga uma trama necessária, expõe com ênfase a necessidade do #diálogo e mantém a vertente de seu produto original. Baseado no livro homônimo lançado em 2007 por Jay Acher, a série se desenvolve a partir do suicídio da jovem Hannah Baker e de um conjunto de fitas gravadas que justificam as razões para ter cometido esse ato.
O formato do #gênero se reflete na série 13 Reasons Why. Trata-se de um produto claramente voltado ao público juvenil mas que consegue ultrapassar qualquer faixa etária. A leveza da narrativa, do roteiro, a qualidade da trilha sonora, bem como o destaque, nem que seja em uma única cena, a todos os personagens centrais, é uma das características fundamentais da série. A maioria dos #adolescentes em cena são expressivos, calorosos, e com falas de impacto que, por um lado, reforçam a ficção, por outro cria um ambiente mais familiar para dialogar sobre assuntos espinhosos.
O exagero é fundamental para causar contraponto. As cores são mais brilhantes nos momentos alegres e se adensam nos temas sérios. Como os narradores sempre são adolescentes, eventuais distorções ficcionais se tornam mais coerentes. Receber um conjunto de fitas cassete testamentais de uma colega que se suicidou não causaria pânico em um adulto, no máximo certo estranhamento. Um jovem, por outro lado, manteria segredo e seguiria o pedido da fita: ouvi-las e passar a outro envolvido nas ações.
A cada episódio, um dos lados das fitas é apresentado ao público. As personagens são construídas pela perspectiva de Hannah mas a trama é capaz de inserir certa densidade ambígua na maioria dos jovens. Apesar do ambiente agressivo, da temática do #bullying em uma escola que aparentemente desconhece as diversas violências sofrida pelos jovens, há sempre um momento em cena que cada adolescente ganha um pouco mais de personalidade, carregando também sua gama de dores. Em outras palavras, salvo um personagem que se desenvolve como o vilão principal da trama, todos os outros jovens estão no equilibro entre boas e más ações. Parte de seus erros estão ligados a falta de maturidade, falta de um acompanhamento adulto em uma fase da vida em que pressões internas e externas são naturais, perceptíveis e, muitas vezes, agressivas.
Dentre esses diversos personagens entre o bem e o mal, o jovem Clay é o mais comum deles, o garoto equilibrado e com bons valores que julga os atos com mais propriedade do que os seus colegas. Nada o faz diferente, exceto talvez a própria noção de consequência, uma maturidade que o transforma em um destaque na trama e, não a toa, o catalisador da ação em resolver os problemas que Hannah não conseguiu em vida. É através de suas reações que o público se identifica, descobrindo que entre um universo aparentemente belo do colégio, existia um caos, tanto o caótico interior da garota Hannah, parcialmente deslocada do seu ambiente, como cada um de seus colegas presentes nas fitas, vivendo conflitos internos.
Como a trama explora poucas nuances, tudo é narrado as claras. Há um momento em que Hannah menciona o quanto o julgamento é prejudicial a outro, afinal, todos carregam problemas dentro de si. A série demonstra com qualidade tal afirmativa, nenhum adolescente em cena é totalmente ruim, mas vive sob a pressão natural da idade e certo senso de inconsequência. O único que não ganha equilibrio é o vilão Bryce Waler, propositadamente construído sem qualidades para causar impacto, em uma dos atos mais agressivos contra Hannah Baker.
Ainda que o enfoque não perca as características fundamentais do romance em que se baseou, a produção fez uma escolha certa ao enfocar o drama dos pais da garota ao lidar com a perda, bem como evitam um drama excessivo no episódio final que apresenta corajosamente a cena de suicídio da personagem. Uma cena densa, explícita, em que o público compartilha o momento de hesitação e agonia de Hannah, em que fica claro que o suicídio não é uma escolha pela morte, mas a decisão de não mais assumir está vida como é dado, um momento de terror e medo diante da única escolha que nunca foi uma escolha.
Outro aspecto forte  é que a série é narrada pela própria Hannah, ou seja, todo o sofrimento assistido parte de seu desequilíbrio emocional, sendo natural que a propensão pelo desastre seja maior.
Apesar das críticas que apontam que no enredo o suicídio é apresentado como  uma  opção entre as demais, partindo da  visão de Hannah, o li como uma ação difícil por essência, explorada por diversas ciências e filosofias e nunca explicada de fato, não com uma justificativa definitiva.
E é nesta riqueza de possibilidades que se pode justificar a reação de cada um dos amigos de Hannah ao ouvir suas fitas. Não faltam dúvidas: somos responsáveis pelos outros? Podemos impedir que outro faça esta ou aquela atitude?
Chama a atenção, entre a poesia criada pela fotografia e roteiro dá série, o personagem Tony, tido como o guardião da existência de Hannah e como um jovem sábio. Ele é a personagem mais esférica da trama e simboliza a superação de uma série de preconceitos: ele é latino, pobre, gay, baixo, dirige um carro muito antigo... E são essas características que, assumidas e aceitas, fazem com que sua singularidade apareça como um sinal de razoabilidade no meio de toda a tensão da série!
Bem, fica a indicação para que seja assistida em uma perspectiva de assumir a responsabilidade ética que temos no desenvolvimento existencial de cada outro que passa pela nossa história!