segunda-feira, 17 de julho de 2017

Deus está morto! Nietzsche e os niilismos


O homem louco – Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: ‘Procuro Deus! Procuro Deus!’?” – Nietzsche, A Gaia Ciência, §125
Talvez a frase mais famosa de Nietzsche seja também a mais incompreendida. Afinal, se ele era um ateu convicto, por que anunciar a morte de algo que não acreditava? Nietzsche possui motivos éticos e históricos para fazer tal declaração. E não é à toa que coloca palavras na boca de um “homem louco”, seu pensamento estava muito a frente de seu tempo:
O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. ‘Para onde foi Deus’, gritou ele, ‘já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não caímos continuamente? Para trás, para os lados, para a frente, em todas as direções? Existem ainda ‘em cima’ e ‘embaixo’? Não vagamos como que através de um nada infinito? Não sentimos na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não temos que acender lanternas de manhã?” – Nietzsche, A Gaia Ciência, §125
Através desta famosa afirmação Nietzsche procura condensar o espírito de sua época. O filósofo faz um diagnóstico da cultura de seu tempo e denuncia o niilismo em que a Europa estava mergulhada. A questão, para o filósofo alemão, não é se existe um Deus, nem se temos como provar a sua existência. Isso é pouco! O que Nietzsche afirma é que, independente disso, a influência da religião em nossas vidas é cada vez menor.
A Igreja, os mitos, as ideias, os ritos, a moral por trás da Teologia, vemos tudo isso enfraquecendo e desaparecendo pouco a pouco. Se extinguindo. Não só a religião, mas também a crença em seus valores metafísicos, a crença em suas verdades últimas, a crença no Bem, Belo e Verdadeiro. Não temos mais medo de deus, ele agora é velho e fraco, impotente, incapaz, criação de um povo escravo, sofredor, buscando refúgio.
niilismo negativo dá conta de mostrar que a criação de um Deus só pode ser sintoma de uma vontade doente, triste, quase uma piada de mau gosto. Com o cristianismo, diz Nietzsche, o centro de gravidade é colocado fora da vida! Esta pérfida criação teve seus dias contados, e já vemos algo novo emergir.
Se digo: “Deus existe?”, não é um problema. Não disse o problema, onde ele está? Por que coloco tal questão? Que problema está por detrás disso? As pessoas querem colocar a questão: “acredito ou não em Deus?” Mas ninguém liga se acreditam ou não em Deus, o que conta é: por que dizem isso, a que problema isso responde? E que conceito de Deus elas vão fabricar. Se você não tiver nem conceito nem problema, você fica na besteira, não faz filosofia” – Deleuze, Abecedário
Nietzsche vai ao cerne do problema: Deus está morto como uma verdade eterna, como um ser que controla e conduz o mundo, como um pai bondoso que justifica os acontecimentos, como sentido último da existência, enfim, como uma ética, como um modo de vida, independente de sua existência ou não.
A secularização da civilização prova isso cada vez mais, todo o resto é besteira! Deus está morto como um grande ditador divino que exige obediência de seus servos, que dita leis e é responsável pela verdade absoluta e unificadora. Assistimos à ruína dos valores cristãos! Eles são agora um empecilho à existência! Deus não é mais o centro das atenções, não é uma questão importante para se tratar, ele já não é uma pergunta para a qual procuramos respostas, ele não é mais capaz de sustentar valores, e por isso deve morrer.
Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos!” – Nietzsche, Gaia Ciência, §125
A morte dos ideais divinos, o início da morte desta doença chamada cristianismo é uma constatação nietzschiana. O sentido está perdido, a Verdade Eterna está acabada, de agora em diante precisamos encarar o caos do mundo à nossa frente, tudo é Vontade de Potência. Todo idealismo e platonismo estão se perdendo, por isso enfrentamos um grande perigo do niilismo: A morte de Deus deveria trazer uma liberdade nunca antes vista, mas estamos perdidos, não sabemos para onde ir nem o que fazer com isso.
Christ of Saint John of the Cross
Christ of Saint John of the Cross – Salvador Dali

Como nos consolar, a nós assassinos entre os assassinos? O mais forte e mais sagrado que o mundo até então possuíra sangrou inteiro sob os nossos punhais – quem nos limpará este sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? A grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmo nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele? Nunca houve um ato maior – e quem vier depois de nós pertencerá, por causa desse ato, a uma história mais elevada que toda a história até então” – Nietzsche, Gaia Ciência, §125
A morte de Deus, levada às últimas consequências, é difícil de aceitar e pode facilmente levar ao desespero. Não sabemos o que fazer, como proceder, não sabemos mais o que é certo e errado sem um padre ou um livro velho para nos guiar. A falta de referencial externo é desesperador para o homem, ele fica aterrorizado diante do mundo, procura novos deuses para obedecer.
Vemos então como o homem passa então a buscar qualquer coisa para se segurar: razão, humanismo, ciência, Leis. Deus morreu, mas ainda velamos seu corpo em várias outras práticas que não encontram justificativa no próprio mundo, mas em outros lugares. Assim, continuamos louvando a valores divinos, mas agora mascarados pela casca humana, desmasiadamente humana. Matamos Deus, mas continuamos crentes! A fé virou razão, a dona da verdade é a Ciência, nossa nova religião é o progresso do homem, o bem comum. Deleuze chama este primeiro momento da morte de Deus de Niilismo Reativo, a falsa morte de Deus, quando nos dizemos ateus, mas inventamos novos ídolos para poder dobrar nossos joelhos tão acostumados a servirem.
Novas lutas – Depois que Buda morreu, sua sombra ainda foi mostrada numa caverna durante séculos – uma sombra imensa e terrível. Deus está morto; mas, tal como são os homens, durante séculos ainda haverá cavernas em que sua sombra será mostrada. – Quanto a nós – nós teremos que vencer também a sua sombra!” – Nietzsche, A Gaia Ciência, §108
Não é à toa que a morte de Deus é anunciada àqueles que já não acreditam em Deus, uma plateia ateísta! Porque são eles que não possuem coragem o bastante parar responsabilizarem-se por seu ato! Alguns simplesmente não conseguem suportar tal liberdade, algumas pessoas se tornaram a tal ponto camelos, carregando valores, que se assustam só de pensar em um mundo tão desprovido de verdades. Uma vontade fraca precisa de mestres. Por isso a morte de Deus passa desapercebia até mesmo para os ateus! É isso que Nietzsche quer fazer notar! Precisamos levar este ato até o fim! Dar cabo de todas as suas consequências!
Mas como pode o homem matar Deus? A criação de um ser superior, que adoramos e prestamos obediência se eleva até os céus e volta como um meteoro, destruindo tudo à nossa volta: Deus e o homem devem morrer juntos! Se Deus está morto então o homem feito à sua imagem e semelhança também deve perecer! Se Deus é criação e testemunha da feiura humana, então ele é sintoma da doença da Vontade que o homem carrega! Mas o homem vaga pelo deserto sem saber o que fazer… nada mais vale a pena, nada mais tem valor! Ele não se sente dignos de seu ato! A dor de matar Deus é grande demais? Talvez… mas não há mais para onde voltar.
‘Eu venho cedo demais’, disse então, ‘não é ainda meu tempo. Esse acontecimento enorme está a caminho, ainda anda: não chegou ainda aos ouvidos dos homens. O corisco e o trovão precisam de tempo, a luz das estrelas precisa de tempo, os atos, mesmo depois de feitos, precisam de tempo para serem visto e ouvidos. Esse ato ainda lhes é mais distante que a mais longínqua constelação – e no entanto eles o cometeram!'” – Nietzsche, A Gaia Ciência, §125
A única alternativa frente a esse niilismo passivo é tomarmos as rédeas da situação e fazer deste niilismo um novo modo de vida. Reiteramos: a questão não é se Deus existe ou não! Isso não traz realmente o problema para o campo da Ética… onde queremos chegar? A questão é: que modos de existência a crença em Deus implicava? E que modos de existência a não crença em Deus implica? Do solo cristão nada mais pode brotar… mas isso não significa que não podemos encontrar mais terra fértil. É necessário muita coragem para transpor o niilismo fraco, aquele que debilita, desespera. Precisamos levar o niilismo até sua última potência e transformar o ateísmo teórico em um ateísmo prático!
Nietzsche diz que o importante não é a notícia de que deus está morto, mas o tempo que ela leva a dar seus frutos” – DeleuzeAnti-Édipo, p. 145
A morte de Deus é condição necessária, mas não suficiente para a criação de novos valores. Como suportar a morte de Deus sem sucumbir ao niilismo? Se Deus era a medida de todos os valores, se todos os valores eram medido pela palavra divina, então Nietzsche precisa trazer uma nova medida para estes valores que perderam seu sentido.
Nietzsche nos dá a resposta em alto e bom som: o Eterno Retorno. Sim, apenas o pensamento seletivo do Eterno Retorno nos absolve da morte de Deus porque apenas ele oferece uma nova maneira de medir e avaliar nossa existência! Esse deicídio não significa jogar todos os valores para o alto, ele implica diretamente uma transvaloração de todos os valores, um niilismo ativo. O Eterno Retorno é o contrapeso, o remédio é amargo que precisamos tomar!
Não é possível pensar o Eterno Retorno como nova medida sem levar em consideração a morte de Deus, e não é possível realizar uma transvaloração sem deixar para trás o peso da palavra divina que carregávamos nos ombros curvados.
É só com a morte de Deus e o pensamento do Eterno Retorno que temos finalmente a chance de criar novos e autênticos valores para nós. Apenas os Espíritos Livres conseguem dançar neste velório. Sem ninguém para dizer o que é certo e errado, bem ou mal, temos plena liberdade para decidir por nós mesmos, eis a bênção de nosso audacioso ato! Aqui está toda a importância da afirmação de Nietzsche: adquirimos agora a responsabilidade e a felicidade de sermos autores de nossa própria vida. Um mar de possibilidades se abriu!
O sentido de nossa jovialidade – O maior acontecimento recente – o fato de que a crença no Deus cristão perdeu o crédito – já começa a lançar suas primeiras sombras sobre a Europa. Ao menos para aqueles poucos cujo olhar, cuja suspeita no olhar é forte e refinada o bastante para esse espetáculo, algum sol parece ter se posto, alguma velha e profunda confiança parece ter se transformado em dúvida: para eles o nosso velho mundo deve parecer cada dia mais crepuscular, mais desconfiado, mais estranho, ‘mais velho'” – Nietzsche, A Gaia Ciência, §343
O niilismo ativo, último estágio do niilismo, é o grande momento esperado por Nietzsche, o grande Sim que o filósofo legislador dá para a possibilidade de executar sua maior tarefa: criar. O que ele quer é que nos tornemos criadores reais para dar conta da morte do criador fictício! Só assim nos tornamos dignos o bastante desta grandiosa marcha fúnebre! Somente se nos tornarmos criadores seremos dignos da morte de Deus!
Talvez soframos demais as primeiras consequências desse evento – e estas, as suas consequências para nós, não são, ao contrário do que talvez se esperasse, de modo algum tristes e sombrias, mas sim algo difícil de descrever, uma nova espécie de luz, de felicidade, alívio, contentamento, encorajamento, aurora…” – Nietzsche, A Gaia Ciência, §343
Todos os deuses devem morrer para de suas cinzas extrairmos novos valores! “O que Nietzsche queria era que se passasse, enfim, às coisas sérias. Fez doze ou treze versões da morte de Deus para não se falar mais disso, para torná-la um acontecimento cômico” (Deleuze&Guattari, O Anti-Édipo, p. 145). Aí está a importância da morte de Deus que nem mesmo os ateus do tempo de Nietzsche souberam encontrar.
Sendo assim, mesmo que Deus exista, é importante que nós o matemos, para andar com nossas próprias pernas! Ou como diria Bakunin, a única maneira de Deus servir à liberdade humana seria se ele simplesmente cessasse de existir. Pois bem, somos o filho que cresceu e quer agora libertar-se. Nem Deus nem mestre! Não podemos mais nos esconder atrás da sombra divina e dizer “Deus quis assim” porque agora a responsabilidade é toda nossa! Tanto para desfazer as verdades antigas quanto para criarmos novas e melhores formas de dizer Sim à vida! Viva a morte de Deus!
De fato, nós, filósofos e ‘espíritos livres’, ante a notícia de que ‘o Velho Deus morreu” nos sentimos como iluminados por uma nova aurora; nosso coração transborda de gratidão, espanto, pressentimento, expectativa – enfim o horizonte nos aparece novamente livre, embora não esteja limpo, enfim os nossos barcos podem novamente zarpar ao encontro de todo perigo, novamente é permitida toda a ousadia de quem busca o conhecimento, o mar, o nosso mar, está novamente aberto, e provavelmente nunca houve tanto ‘mar aberto’“ – Nietzsche, Gaia Ciência, §343

domingo, 16 de julho de 2017

Deus está morto! ... Será?

Uma vez, depois de uma das minhas aulas de filosofia, uma aluna me esperava no corredor. Naqueles dias, estávamos enfrentando Nietzsche e essa aluna sentiu-se muito "impactada" com sequência de aulas sobre a Morte de Deus! Bem, ela me conhecia das minhas pregações e ministrações, das minhas aulas de Teologia e de Catequese!
Me olhando nos olhos, deixando transparecer sua luta interior entre a fé que professava e o processo de assimilação de tudo o que tínhamos discutido, que ela estava internalizando e que existencialmente a contigiara... Então, ela me perguntou:
- Jedi, como você, que é cristão, pode falar com tanta convicção de autores como Nietzsche? Como o senhor pode concordar com ele se cremos, você e eu, em um Deus vivo, na moral e na Verdade? Não acho que minha fé seja um erro, mas concordo com o que você disse de Nietzsche... Estou confusa!
Diante de tamanha sinceridade, só tinha como resposta a minha verdade:
- Padawan, eu não vejo contradição entre a experiência existencial proposta por Nietzsche e a verdade que recebemos de Deus! Aqui, sou professor de filosofia. Não seria honesto com vocês que eu usasse minhas aulas para convencer vocês das minhas convicções ou Verdades... Aqui, minha função é pastorear vocês pela história do pensamento, por aquilo que os filósofos disseram, eu concordando ou não. Aqui, o que importa é que cheguemos a entender o que o outro disse para, então, podermos escolher melhor nossos caminhos. Veja, Nietzsche diz coisas que nos ajudam a entender o que foi o século XX e nos esclarece o modo de viver do século XXI: o niilismo é real em nossos dias! Não precisamos ser ateus como ele, mas sem dúvidas podemos ouvir e concordar com o que ele diz. Lembra do aforismo 125 de "A Gaia ciência"? Vamos lá:

"O homem Louco. – Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!”? – E como lá se encontrassem muitos daqueles que não criam em Deus, ele despertou com isso uma grande gargalhada. Então ele está perdido? Perguntou um deles. Ele se perdeu como uma criança? Disse um outro. Está se escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou num navio? Emigrou? – gritavam e riam uns para os outros. O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. “Para onde foi Deus?”, gritou ele, “já lhes direi! Nós os matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não caímos continuamente? Para trás, para os lados, para frente, em todas as direções? Existem ainda ‘em cima’ e ‘embaixo’? Não vagamos como que através de um nada infinito? Não sentimos na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não temos que acender lanternas de manhã? Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós os matamos! Como nos consolar, a nós, assassinos entre os assassinos?2 O mais forte e sagrado que o mundo até então possuíra sangrou inteiro sob os nossos punhais – quem nos limpará esse sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? A grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele? Nunca houve ato maior – e quem vier depois de nós pertencerá, por causa desse ato, a uma história mais elevada que toda a história até então!” Nesse momento silenciou o homem louco, e novamente olhou para seus ouvintes: também eles ficaram em silêncio, olhando espantados para ele. “Eu venho cedo demais”, disse então, “não é ainda meu tempo. Esse acontecimento enorme está a caminho, ainda anda: não chegou ainda aos ouvidos dos homens. O corisco e o trovão precisam de tempo, a luz das estrelas precisa de tempo, os atos, mesmo depois de feitos, precisam de tempo para serem vistos e ouvidos. Esse ato ainda lhes é mais distante que a mais longínqua constelação – e no entanto eles cometeram! – Conta-se também no mesmo dia o homem louco irrompeu em várias igrejas , e em cada uma entoou o seu Réquiem aeternaum deo. Levado para fora e interrogado, limitava-se a responder: “O que são ainda essas igrejas, se não os mausoléus e túmulos de Deus?”

Percebe? O homem acende uma lanterna em pleno dia, quer dizer, prefere a segurança de suas conquistas à realidade objetiva da vida que lhe é dada! Muitas vezes, abrimos mão da vida que nos é dada por convicções de outros que nos são impostas como verdades únicas e absolutas! Não, a vida é mais que isso! A "morte de Deus" é a morte da ideia ocidental desse princípio justificador da dominação que achamos ter sobre a vida, o sentido e a realidade! De fato, não temos domínio sobre isso, sobre nada disso! Temos interpretação, na verdade, várias delas.... Mas elas são isso, interpretações! Veja que não é Deus quem morre aqui, isso, por princípio, seria paradoxal: se há Deus, Ele é Eterno! O que morre, o que de fato morre, é a pretensão soberba e vulgar da nossa condição humana de dominar e manipular o real com nossas verdades que, muitas vezes, anulam o outro, aniquilam a alteridade e a nossa própria disposição de viver a vida com intensidade!
Vamos entender o que Nietzsche quis dizer de viver a vida com intensidade no aforismo 56:

"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!“ Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: “Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"

Entende, fazemos tantas coisas na vida que não gostaríamos, que nos pesam, que não suportamos, mas fazemos porque nos dizem que é certo, que é correto, que é o que esperam de nós! Ora, mas quem tem o direito de esperar algo de nós a não ser nós mesmos? Quem tem o direito de por a estrada sob nossos pés a não ser o desejo de nosso coração? Nos medimos pelos outros, pelo convívio com os outros e "no convívio com sábios e artistas facilmente nos enganamos no sentido oposto: não é raro encontrarmos por detrás dum sábio notável um homem medíocre, e muitas vezes por detrás de um artista medíocre - um homem muito notável." Perdemos tempo demais com julgamentos sobre nós mesmos e sobre os outros, quando a única coisa que importa de verdade é viver a vida com amor, no amor, para o amor... E o amor não julga, não condena! Antes, acolhe e respeita! "Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal." Ninguém viverá a nossa vida e ninguém morrerá a nossa morte! Somos os únicos responsáveis pelas decisões que tomamos! E quando essa decisão é a de sermos que fomos feitos para ser, em plena abertura para o outro  e quando assim fazemos, o Outro se revela a nós! O plenamente Outro, o Totalmente Outro se achega a nossa humanidade quando reconhecemos a humanidade do outro homem! A isso chamamos, nós cristãos, de santidade! Aos santos, cabe a admiração e reverência justamente porque viveram! Aos santos, cabe o que Nietzsche chamou de Super-homem!  O niilismo negativo do Cristianismo hipócrita e farisaico deve ser superado! O niilismo reativo dos cientistas e dos comunistas não pode nos salvar de nós mesmos e de nossas misérias! O niilismo passivo dos nossos vícios e autoenganos nos condena a uma morte existencial! Só a santidade pode trazer direção a nós! Como disse a Gaudium et Spes, só Ele revela o homem ao próprio homem...

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