quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Para entender o filme Bird Box

O longa Bird box, adaptado de um livro homônimo, tem um enredo interessante se estivermos atentos a alguns detalhes:

A narrativa gira em torno de uma mulher, o que desconstrói a noção de heroísmo do Ocidente.

A personagem principal é a chave para entender a noção de gaiola ou de aprisionamento: desde o começo, a personagem se isola do mundo, não se conecta com as pessoas, manteve-se distante de tudo e de todos, e até de seus quadros, que permanecem incompletos.

"Os seres" me parecem a promessa Ocidental de "purificação da humanidade". Isso fica evidente pela contraposição entre a opressão causada por aquela realidade que as pessoas vêm e a realidade das coisas como elas são na natureza. Tal oposição faz pensar em como o mundo está invadido por imagens que nos oprimem e nos levam por um caminho de auto-aniquilação, uma sociedade "espetacular" que vai envenenando a mente humana e fazendo com que nossos "demônios" interiores aflorem, ganhem força e nos dominem, até que nos matem por nossas próprias "escolhas livres" (livres na aparência, mas condicionada pela "realidade que vimos ao olhar").
Sim, o suicídio na narrativa é um símbolo de como as pessoas estão cometendo suicídio na existência ao abrirem mão da vida para lançar-se em uma ilusão de felicidade. Essas pessoas são a maioria da humanidade. Outras pessoas são afetadas de um outro modo: se encantam com o caos e com o terror e desejam que os outros enxerguem o mal como beleza, acabando por matar a todos nesse processo. Estas pessoas são aquelas que não internalizando o mal, mas os manifestam socialmente. São os "loucos" no sentido de serem aqueles que já instauram o mal com seu agir.

Além do aspecto psicológico dos "seres", há uma referência aos "regimes políticos de promessas" em que se pretende "fazer o fim do mundo grande novamente", uma clara menção a fala de Trump, muito comum nos discursos de alguns candidatos ao redor do mundo.

Vale a pena perceber como os personagens são muito distintos, tanto nas etinias quanto nas opções de vida, na sexualidade e nos sonhos. Tal fato manifesta que a loucura da "sociedade do espetáculo" afeta a todos em todas as condições existenciais que se colocam. Além disso, os personagens satélites mostram como as pessoas contemporâneas se chocam com a dor e o sofrimento alheio momentâneamente, facilmente distraindo-se com seus interesses e prazeres mais viscerais. Várias cenas chamam a atenção para isso, mas a mais clara é a chegada ao mercado, onde tudo o mais foi relativizado pelo prazer do ter e do consumir, onde o luto desaparece justamente por nunca ter sido real, mas apenas "políticamente esperado".

É importante notar que a personagem Malorie é um símbolo da humanidade que possibilita a existência do outro e do futuro, quando abre mão de si para dar vida a existência dos outros. Somente quando Malorie se conecta com Tom ela escuta uma resposta no comunicador; somente quando se conecta com o Garoto e a Garota, se abrem as portas para que se vislumbre a verdadeira vida em colaboração e comunhão social, na possibilidade de viver mais que sobreviver.

"A Caixa de Pássaros" é a realidade (ou metáfora) dos homens, que vislumbram luz, mas se percebem presos. Contudo, essa prisão não precisa ser opressiva como o estar fora, submetido aos "seres". O enredo se encerra em uma escola para cegos, em que os sobreviventes estão presos, mas livres. Presos porque fora há perigo, mas livres porque entenderam que a liberdade é uma responsabilidade, por si mesmos e pelos outros, e pelos outros dos outros. Responsabilidade ética que não se realiza sem conexão.

É interessante que a colônia de sobrevivência seja em uma escola de cegos, em um lugar em que a conexão com o outro não acontece pela visão ou pela virtualidade. A conexão é realizada pela proximidade e pelo toque, não pela solidão engaiolada das virtualidades.

Não se deve fazer a leitura do enredo pelo viés de filme pós-apocalíptico. O enredo quer discutir a noção de humanidade contemporânea. Nesse sentido, a produção foi bem fiel ao gênero apocalipse, à revelação do aqui e agora por meio de uma linguagem simbólica.

Fica a dica para uma sessão pipoca com a Netflix !

#pensandoalto

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