Tenho visto algumas pessoas usando trechos do CEC (Catecismo) para dizer que a Igreja apoia o uso de armas de fogo. Contudo, essa é um interpretação indevida dos textos! O que está sendo discutido nos textos citados (e que transcrevo abaixo) é a legitimidade de defender a própria vida. Quanto a posse de armas de fogo, é a legislação que a deve chancelar, isto é de competência do Estado. É uma falácia dizer que o direito à legítima defesa supõe, necessariamente, a posse, antecipada ao ato de perigo, de uma arma de fogo. Não estou dizendo que aqueles que defendem a maior flexibilização das leis que permitem a posse estejam errados, bem como não estou dizendo que estão errados os que estão contra essa flexibilização. Estou dizendo, apenas, que a legítima defesa supõe uma ação diante de uma ameaça e que usar o discurso eclisiástico como o de apoio irrestrito é, no mínimo, questionável! O texto é claro ao dizer que "repelir pelas armas" compete às autoridades, o que no contexto da redação do Catecismo significa as instituições. Não quero polemizar, mas não acho justo que se tire o texto de seu contexto para que sirva de pretexto para se defender um ponto de vista. Um texto tem intencionalidade comunicativa clara e esta deve ser respeitada. Além disso, cabe a liberdade das consciências o juízo sobre o modo de proceder diante da agressão. Sendo assim, usar o texto no atual cenário de discussão política sem ater-se a ele pode, sim, ser má fé inspirada na real intenção de promover a própria visão de bem! O que imposta é tentar colaborar com a verdade, mesmo que isso signifique abrir mão das opiniões particulares... Segue os parágrafos do CEC:
"2263 – A legítima defesa das pessoas e das sociedades não é uma exceção à proibição de matar o inocente, que caracteriza o homicídio voluntário. “A ação de defender-se pode acarretar um duplo efeito: um é a conservação da própria vida, o outro é a morte do agressor… (S. Tomás de Aquino, S. Th. II-II, 64,7). Só se quer o primeiro; o outro não” (idem). 2264 – O amor a si mesmo permanece um princípio fundamental da moralidade. Portanto, é legitimo fazer respeitar o próprio direito à vida. Quem defende sua vida não é culpável de homicídio, mesmo se for obrigado a matar o agressor:
Se alguém, para se defender, usar de violência mais do que necessário, o seu ato será ilícito. Mas se a violência for repelida com medida, será lícito…
E não é necessário para a salvação omitir este ato de comedida proteção, para evitar matar o outro; porque, antes da de outrem, se está obrigado a cuidar da própria vida (ibidem).
2265 – A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas um dever grave, para aquele que é responsável pela vida de outros, pelo bem comum da família ou da sociedade.
Preservar o bem comum da sociedade exige que o agressor se prive das possibilidades de prejudicar a outrem. A este título, o ensinamento tradicional da Igreja reconheceu como fundamentado o direito e o dever da legítima autoridade pública de infligir penas proporcionadas à gravidade dos delitos, sem excluir, em casos de extrema gravidade, a pena de morte. Por razões análogas os detentores de autoridade têm o direito de repelir pelas armas os agressores da comunidade civil pela qual são responsáveis.
2266 – A pena tem como primeiro efeito compensar a desordem introduzida pela falta. Quando esta pena é voluntariamente aceita pelo culpado, tem valor de expiação. Além disso, a pena tem um valor medicinal, devendo, na medida do possível, contribuir para a correção do culpado."
Além disso, o Compêndio de Doutrina Social da Igreja diz:
508: A doutrina social propõe a meta de um «desarmamento geral, equilibrado e controlado». O enorme aumento das armas representa uma ameaça grave para a estabilidade e a paz. O princípio de suficiência, em virtude do qual um Estado pode possuir unicamente os meios necessários para a sua legítima defesa, deve ser aplicado seja pelos Estados que compram armas, seja por aqueles que as produzem e as fornecem. Todo e qualquer acúmulo excessivo de armas ou o seu comércio generalizado não podem ser justificados moralmente; tais fenômenos devem ser avaliados também à luz da normativa internacional em matéria de não-proliferação, produção, comércio e uso dos diferentes tipos de armamentos. As armas não devem jamais ser consideradas à guisa dos outros bens intercambiados em plano mundial ou nos mercados internos.
O Magistério, ademais, expressou uma avaliação moral do fenômeno da dissuasão: «A acumulação de armas parece a muitos uma maneira paradoxal de dissuadir da guerra os eventuais adversários. Vêem nisso o mais eficaz dos meios suscetíveis de garantir a paz entre as nações. Este procedimento de dissuasão impõe severas reservas morais. A corrida aos armamentos não garante a paz. Longe de eliminar as causas da guerra, corre o risco de agravá-las». As políticas de dissuasão nuclear, típicas do período da chamada Guerra Fria, devem ser substituídos por medidas concretas de desarmamento, baseadas no diálogo e na negociação multilateral.
509 As armas de destruição de massa – biológicas, químicas e nucleares – representam uma ameaça particularmente grave; aqueles que as possuem têm uma responsabilidade enorme diante de Deus e de toda a humanidade.O princípio da não proliferação das armas nucleares juntamente com as medidas de desarmamento nuclear, assim como a proibição dos testes nucleares, são objetivos estritamente ligados entre si, que devem ser atingidos o mais rápido possível mediante controles eficazes no plano internacional.A proibição de desenvolvimento, de aumento de produção, de acúmulo e de emprego das armas químicas e biológicas, assim como as decisões que impõem a sua destruição, completam o quadro normativo internacional para o abandono de tais armas nefastas, cujo uso é explicitamente reprovado pelo Magistério: «Toda a ação bélica, que tende indistintamente para a destruição de cidades inteiras e de extensas regiões com os seus habitantes, é um crime contra Deus e contra o próprio homem, e como tal deve ser condenada firmemente e sem hesitação».
510 O desarmamento deve estender-se à interdição das armas que infligem efeitos traumáticos excessivos ou cujo efeito é indiscriminado, assim como as minas anti-homem, um tipo de pequenos dispositivos, desumanamente insidiosos, pois que continuam a provocar vítimas mesmo muito tempo depois do fim das hostilidades: os Estados que as produzem, as comercializam ou as usam ainda são responsáveis por retardar gravemente a definitiva interdição de tais instrumentos mortíferos. A comunidade internacional deve continuar a empenhar-se na atividade de desativação das minas, promovendo uma cooperação eficaz, inclusive a formação técnica, com os países que não dispõem de meios próprios adequados para efetuar a urgentíssima depuração de seus territórios e que não são capazes fornecer uma assistência adequada às vítimas das minas.
511 Medidas apropriadas são necessárias para o controle da produção, da venda, da importação e da exportação de armas leves e individuais, que facilitam muitas manifestações de violência. A venda e o tráfico de tais armas constituem uma séria ameaça para a paz: estas são as armas mais utilizadas nos conflitos internacionais e a sua disponibilidade faz aumentar o risco de novos conflitos e a intensidade daqueles em curso. A postura dos Estados que aplicam severos controles sobre a transferência internacional de armamentos pesados, mas não prevêem nunca, ou tão-somente em raras ocasiões, restrições sobre o comércio das armas leves e individuais, é uma contradição inaceitável. É indispensável e urgente que os governos adotem regras adequadas para controlar[...]
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