1.
O presente artigo se
propõe a analisar o texto de Mt 4, 1-11, conhecido como as tentações de Jesus.
Partindo de análise de texto e dos aspectos teológicos que o tecem, se pretende
fazer uma reflexão de como tal fragmento da Escritura pode contribuir para vida
espiritual, moral e social de todo aquele que crê em Jesus Cristo.
Deve-se estar atento
para o fato de que esse é um estudo exegético-pastoral, o que implica sua
submissão à interpretação Fiel do Magistério e serve de auxílio para a melhor
compreensão do texto bíblico por parte dos crentes.
O texto deste artigo
não foi revisado e nem relido pelo autor até a data de sua publicação, quer por
uma demanda de tempo quer pela crença de que o presente texto é uma provocação
para a partilha ao redor da Palavra. Disso resulta que o caso algum momento do
texto não tenha sido claro ou contenha erro, seja notificado ao autor, que com
alegria o melhorará em vista de melhor servir ao Povo de Deus.
2. MOLDURA TEOLÓGICA POSTA POR SÃO MATEUS
A passagem de
São Mateus 4, 1 -11 introduz a narração do evento das chamadas “tentações” com a
afirmação de que o Espírito conduziu Jesus ao deserto para aí ser tentado. É interessante notar o desconcerto que tal
versículo causa na mentalidade hodierna, pois quem dá a direção ao deserto com
o objetivo de submeter o Conduzido a uma provação é o Espírito Santo, coisa que
soa “estranha” ao entendimento crente da ação do Espírito, que tantas vezes é
condicionado ou reduzido aos eventos unicamente extraordinários de intervenção
da graça. Contudo, esta afirmação é como que uma preciosa chave para que
possamos nos aproximar do texto de Mateus e colher dele frutos mais abundantes.
Não
se pode esquecer o público para o qual o Evangelista escreve o seu texto, que é
um grupo de pessoas que são provenientes do judaísmo. Para este povo, o
Espírito do Senhor é quem conduz os profetas em sua missão[1].
Sendo assim, devemos entender, a partir deste ponto do Evangelho, que o que
Jesus diz deve ser escutado porque é palavra de Deus, Ele é o Profeta que Deus
enviou ao seu povo, Aquele que é conduzido pelo Espírito e que, no deixar-se
conduzir, é, ao mesmo tempo, profeta e profecia.
Outra
palavra preciosa que vai descortinando as riquezas do texto de Mateus é o
vocábulo “deserto”. Jesus é conduzido ao deserto em uma apresentação que remete
diretamente a imagem do povo de Israel saído do Egito, sob a guia de Moisés.
Essa aproximação é confirmada pelo paralelo que é estabelecido pelo número 40:
Israel terá seu retiro por 40 anos, Jesus, por 40 dias[2].
Esse
paralelismo é fundamental para entendermos que em Jesus se inaugura uma nova
etapa da Revelação: o povo de Israel, passado o Mar Vermelho e guiado por
Moisés, é posto a prova inúmeras vezes no deserto; Jesus, passado pelas águas
do batismo de João e guiado pelo Espírito, é posto a prova, também, inúmeras
vezes no deserto. Porém, o texto de Mateus revela que a superioridade de Jesus
se dá na vitória onde anteriormente o homem havia caído.
De
fato, basta recordarmos que o povo de Israel falhou várias vezes no seu caminho
pelo deserto; Moisés falhou uma vez, mas
Jesus supera todas as provas que lhe vão sendo apresentadas. Mateus cria um
quadro intenso e dramático entre o projeto salvífico do Pai, em que Jesus
redime em si mesmo, pela obediência e pelo centrar-se no querer do Pai, a
desobediência original de Adão e Eva, e o antiprojeto do Inimigo, Satanás, o
adversário e opositor, que anseia em conduzir o homem ao fechamento a Deus e ao
ensimesmamento existencial, prelúdio nesta vida daquilo que será a eternidade
no inferno.
Outro
vocábulo que merece nossa atenção é a expressão “tentação”. Na verdade, deve-se
evitar chamar os eventos apresentados aqui de tentações, pois como foi apresentado
pela leitura a partir do paralelo com a peregrinação de Israel no deserto,
seria muito mais preciso o termo provação. As realidades apresentadas a Jesus
por Satanás fazem memória das tentações de Adão no paraíso e de Israel no
deserto. Assim, pretende-se que o leitor entenda que Jesus de Nazaré é o Novo
Adão que permanece fiel ali onde o primeiro Adão sucumbiu à tentação do
demônio. Jesus é aquele que cumpre com perfeição a vocação de Israel,
totalmente obediente à Vontade do Pai.
Já
o segundo Concílio Ecumênico de Constantinopla[3],
em 553 d. C., havia deixado essa realidade clara: Jesus é um das Três pessoas
divinas e, portanto, não seria capaz de pecar em período algum de sua vida
terrena[4],
o que fica explícito no texto quando lemos que todas as sugestões contrárias ao
plano do Pai partem de Satanás em forma de sugestões, que nada tinham a ver com
os conflitos internos e os desejos desordenados da natureza humana decaída. É
nesse sentido que lemos esse fragmento do Evangelho e bradamos que Jesus venceu
o tentador por nós, “pois não temos um sumo sacerdote incapaz de compadecer-se
de nossas fraquezas, pois Ele mesmo foi provado em tudo como nós, exceto no
pecado” (Hb 4,15).
Esta
solidariedade de Jesus com os pecadores, este seu identificar conosco em tudo,
exceto no pecado, já fora apresentado pelo evangelista na narração do Batismo,
que antecede imediatamente ao relato das “tentações”. Essa seqüência de eventos
faz memória da própria história de Israel que tendo passado pelas águas do Mar
Vermelho, é libertado da escravidão do Egito e é submetido à prova dos 40 anos
no deserto. De modo paralelo, Jesus é apresentado como Aquele que passa pela
água do Batismo de João, anunciando a libertação do cativeiro do pecado e é
submetido à prova por 40 dias.
O
Batismo de João não é um Sacramento e menos ainda deve ser entendido em Jesus
como um processo de conversão ou libertação do pecado. Como dito, este evento
tem um caráter de anuncio da obra messiânica de Jesus e, por isso mesmo, ele é
singular em relação às outras abluções praticadas em Israel. Diferente destas,
ele se caracteriza como o concreto cumprimento de uma mudança que precisa
determinar de um modo novo e para sempre toda a vida do sujeito, que deve
abrir-se a um novo modo de pensar e de agir[5]:
“Arrependei-vos, pois está próximo o reinado de Deus” (Mt 3,2).
O
que se deve notar na construção da narrativa é que Jesus de Nazaré vem para ser
batizado por João. Isto é, entra na fila dos pecadores que desejavam se
desvencilhar de suas vidas velhas para se comprometerem com uma nova vida,
orientada pela espera messiânica pregada por João. Aqui parece haver uma
contradição: como Jesus pode fazer isso? Ele teria algum pecado a confessar?
Para
respondermos a esta pergunta, precisamos voltar ao texto. São Mateus nos diz
que ao ver Jesus, João lhe diz: “Eu é que devia ser batizado por Ti e Tu vens
ter comigo?” (Mt 3,14) Diante desta tentativa de esquivar-se que João realiza,
Jesus lhe responde: “Deixa por agora, pois convém que se cumpra toda a
justiça.” (Mt 3,15) E então João permitiu que Jesus fosse batizado.
A
resposta de Jesus é um ilimitado sim a Vontade de Deus, à “justiça”, é um
submisso acolhimento da obediência. É uma expressão amorosa de sua
solidariedade com os homens pecadores que pedem perdão a Deus e suplicam uma
nova Vida. Ao descer às águas do Jordão para ser batizado com os pecadores,
Jesus assume sobre si, como o Cordeiro de Deus, o peso da culpa e do pecado de
toda a humanidade e levou-a para o Jordão abaixo, num símbolo de morte no ato
de mergulhar nas águas que faziam memória do dilúvio devastador e do Mar que
afogou os egípcios, mas também de vida que está prestes a nascer; é uma
antecipação simbólica daquilo que Ele mesmo realizaria na Cruz e na
Ressurreição, é sinal de sua solidariedade com cada homem ferido e angustiado
pelo pecado.
É
com essa visão da solidariedade de Jesus com os pecadores, posta pelas molduras
teológicas de São Mateus, que vamos nos aprofundar no relato das tentações de
Jesus. Logo após ser batizado, o Espírito que desceu sobre Ele o conduz ao
deserto para ser provado em um tempo de recolhimento que antecede sua ação, sua
missão. Mas já esse recolhimento é revelador de como Jesus entende e vive sua
missão: Ele desce aos perigos do homem, às suas periferias existenciais, pois
só assim o homem caído pode ser reerguido. Jesus aceita entrar no drama de
nossa existência, atravessá-lo até o seu extremo, descer ao nosso inferno, para
nos resgatar nos colocando sobre seus ombros e nos levando de volta para o Pai.
O relato das Provações de Jesus, como o do Batismo, é uma antecipação daquilo
que será o evento da Cruz.
3. A TEOLOGIA DAS PROVAÇÕES DE JESUS
São Mateus
narra três tentações de Jesus nas quais podemos ver a luta por causa de sua
missão messiânica. Além disso, cada uma delas nos leva a reflexão sobre o
sentido da vida humana enquanto tal.
O eixo que
articula todas propostas de Satanás é o deixar a Deus de lado; subverter a
ordem da relação com Ele, pondo-nos em primazia; é construir os dias e lidar
com as preocupações, construir a sociedade humana de modo autônomo, confiados
na política e nas realidade materiais. O Papa Bento XVI[6]
fez uma brilhante apresentação de
contemporaneidade dessas tentações no percurso histórico da sociedade e revela
que essa é sempre uma tentação presente. Deixar Deus de lado na construção da
esperança humana é sempre uma proposta que chega até nós vinda do Tentador,
proposta feita desde Adão, mas que ressoa em nossos ouvidos ainda. O pontífice
conclui sua reflexão dizendo:
No que diz respeito aos dois grandes temas «
razão » e « liberdade », aqui é possível apenas acenar às questões relacionadas
com eles. Sem dúvida, a razão é o grande dom de Deus ao homem, e a vitória da
razão sobre a irracionalidade é também um objetivo da fé cristã. Mas, quando é que
a razão domina verdadeiramente? Quando se separou de Deus? Quando ficou cega a
Deus? A razão inteira reduz-se à razão do poder e do fazer? Se o progresso,
para ser digno deste nome necessita do crescimento moral da humanidade, então a
razão do poder e do fazer deve de igual modo urgentemente ser integrada
mediante a abertura da razão às forças salvíficas da fé, ao discernimento entre
o bem e o mal. Somente assim é que se torna uma razão verdadeiramente humana.
Torna-se humana apenas se for capaz de indicar o caminho à vontade, e só é
capaz disso se olhar para além de si própria. Caso contrário, a situação do
homem, devido à discrepância entre a capacidade material e a falta de juízo do
coração, torna-se uma ameaça para ele e para a criação. Por isso, falando de
liberdade, é preciso recordar que a liberdade humana requer sempre um concurso
de várias liberdades. Este concurso, porém, não se pode efetuar se não for
determinado por um critério intrínseco comum de ponderação, que é fundamento e
meta da nossa liberdade. Digamos isto de uma forma mais simples: o homem tem
necessidade de Deus; de contrário, fica privado de esperança. Consideradas as
mudanças da era moderna, a afirmação de S. Paulo, citada ao princípio (Ef 2,12), revela-se muito realista e
inteiramente verdadeira. Portanto, não há dúvida de que um « reino de Deus »
realizado sem Deus – e por conseguinte um reino somente do homem – resolve-se
inevitavelmente no « fim perverso » de todas as coisas, descrito por Kant: já o
vimos e vemo-lo sempre de novo. De igual modo, também não há dúvida de que,
para Deus entrar verdadeiramente nas realidades humanas, não basta ser pensado
por nós, requer-se que Ele mesmo venha ao nosso encontro e nos fale. Por isso,
a razão necessita da fé para chegar a ser totalmente ela própria: razão e fé
precisam uma da outra para realizar a sua verdadeira natureza e missão. (Spe
Salvi, 23)
Outra
característica interessante nas proposições do Tentador é que não há um convite
para o mal, não de modo direto e claro. É sempre uma insinuação de inversão, de
abandonar a “ilusão” que seria a vocação pessoal em vista do sucesso; a
“ilusão” da confiança em Deus pela segurança em si mesmo; a “ilusão” da
vivência da fé pelo poder e pela melhoria do mundo. No fundo, a questão
presente é Deus, pois Ele é a questão fundamental que se levanta no centro de toda
a existência humana.
Uma outra
confirmação dessa centralidade de Deus e da relação com Ele como central no
mecanismo das tentações deriva das palavras do próprio Jesus. As respostas que
o Senhor dá a cada uma das propostas do demônio são tiradas do Livro do
Deuteronômio, dos capítulos 6 ao 8. Na ética que São Mateus vai apresentar ao
longo de todo o seu Evangelho, esses capítulos estão sempre relacionados ao
princípio fundamental de toda conduta moral dos seguidores de Jesus: o
mandamento de realmente amar a Deus.
De fato,
toda conduta moral dos seguidores de Jesus precisa alicerçar-se no fato de que
o crente fez uma experiência de Deus em Jesus e que por isso assume a novidade
da vida no Espírito que lhe é doada em Cristo e por Ele. Sem a experiência real
de ser amado por Deus e de amá-Lo em correspondência, a moral cristã seria um
peso incapaz de dar sentido a vida humana por si mesma. É o fato de que a moral
cristã parte de um relacionamento vivo com Deus Uno e Trino o que sustenta a
vitalidade que as Leis morais comunicam.
Tal
constatação fica evidente quando tomamos o texto das tentações tendo diante dos
olhos o trecho de Dt 6,5 que serve de base para as respostas de Jesus a cada
uma das provocações do demônio, e que lemos “Portanto, amarás a IHWH teu Deus
com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força.” É a essa
tríplice exigência de amor que Jesus corresponde em sua oferta ao Pai, no
Espírito, e que é evidenciada na vitória sobre as insinuações do Inimigo.
3.1 A PRIMEIRA
TENTAÇÃO
A primeira
tentação relaciona-se ao não “amar a
Deus de todo o coração”, isto é, não submeter os próprios desejos interiores à
Vontade de Deus, elegendo para si um outro alimento que não o verdadeiro Maná
que o Pai faz descer do céu na existência de cada fiel, isto é, sua
Palavra-vocação.
A fome mais
profunda que a existência humana enfrente é a fome de sentido para o próprio
ser, sentido esse que não pode ser dado por nós mesmos. É então que entendemos
o papel central da vocação pessoal na existência: é ela quem abre nossos olhos
para que entendamos o sentido dos nossos dias. Esse dom, comparado ao alimento,
vem da bondade gratuita de Deus para os que aceitam atravessar o deserto, como
o foi o Maná. Contudo, é justo aqui que a tentação se põe.
Perceba-se
que a fala do tentador se inicia com um condicional “se és filho de Deus...”,
como que insinuando uma não realidade, uma possibilidade, uma dúvida. Claro que
nenhuma dessas realidades em Jesus, mas todas elas na humanidade. Essa
condicional é posta pelo tentador como um recurso de levar o homem ao desespero
do desacreditar: Se ficho de Deus, por que sofro? Se filho de Deus, por que
esse evento terrível se passa comigo? Se filho de Deus...
A tentação
inicia-se pelo desejo de afastar o coração da proximidade filial da confiança
no Pai que conduz a vida dos seus filhos. É por isso que, nessa cena, a imagem
do maná é fundamental, pois evoca a fidelidade de Deus que se sustenta nEle
mesmo e em nada mais, fidelidade de um
Deus que dá o alimento para cada hoje, pois já isso é a promessa de que nunca
nos desamparará.
Com a
proposta de fazer com que as pedras se transformassem em pão, Satanás pretendia
que Jesus se identificasse com a idéia de messias que os judeus criaram:
político, libertador da opressão dos dominadores e que traria prosperidade para
todo o povo. Contudo, a missão que o Pai confiou a Jesus é o homem, não a
política por si e em si, uma vez que é a conversão do coração humano para Deus
que garantirá o bem-estar e a justiça para todos os homens da sociedade. Se
hoje há pobreza e miséria, se há fome e violência é justamente porque o coração
humano não está alimentado da Palavra de Deus.
3.2 A SEGUNDA
TENTAÇÃO
A segunda
provação corresponde ao não “amar a Deus de toda a tua alma”, isto é, assumir
que a própria existência é um chamado gratuito da misericórdia do Pai que
preferiu o nosso ser-aqui ao não-ser.
Nessa
tentação, chama a atenção do leitor o fato de Satanás usar a Sagrada Escritura
como pano de fundo para a tentação. Este aspecto, a exegese, é justamente o
coração dessa tentação, pois por ela entendemos que o que está em jogo nesse
momento é a concepção de Deus e, conseqüentemente, nossa relação com Ele.
A proposta
que o demônio faz é de circunscrever Deus ao âmbito do subjetivo, da
necessidade do que a Ele se dirige. Uma inversão de papeis que caracterizará
vários momentos da história, momentos esses em que o homem assumirá o papel de
senhor, ao passo que Deus lhe deveria servir tal como um servo serve ao seu
amo.
Tal
perspectiva teológica, nascida das interpretações modernas postas pela
filosofia, se desdobrará fortemente no mundo cristão, chegando a roupagens
contemporâneas profundamente perigosas, tais como a chamada Teologia da
Libertação, a Teologia da Prosperidade e o cientificismo teológico. Segundo
todas essas correntes, muito diversas em vários de seus aspectos e
desdobramentos, não se deve mais falar do Deus da Bíblia, o Deus vivo, uma vez
que somos nós quem falamos dEle e somos nós quem determinamos o que Ele pode
fazer e como nós podemos ou devemos nos portar. Qualquer tentativa de nos
aproximarmos do texto bíblico para o lermos na fé na qual foi escrito seria uma
demonstração de imaturidade intelectual e fundamentalismo.
O fato de
fazer uso das Escrituras ou de titular-se academicamente não dão segurança
absoluta para que se achegue ao Deus Revelado. É no Espírito da fé que o texto
deve ser lido e interpretado, não no espírito egoísta e ensimesmado do homem
moderno.
A falsa
interpretação do demônio pretende por Deus a prova, como que num jogo. Se Ele
não se submete ao meu jogo que o tenta, então não deve ser Deus. Assim, é
colocada diante de nós a grande questão de como o homem se põe diante de Deus,
de como o encontramos e de como O podemos perder. Deus não é um brinquedo ou um
objeto para os meus caprichos, mas antes, é o Senhor Soberano que não nos
abandona nem mesmo quando tudo parece deserto e solidão.
A vitória
sobre esta tentação é convite sempre aberto a permanecer com o coração atento
na escuta de Deus e de preferir seus caminhos aos nossos, sua vontade à nossa,
mesmo quando essa vontade é nosso sacrifício, oferta e martírio. A certeza que
deve mover o nosso coração é que Deus é poderoso o suficiente para colher o
fruto de redenção daquilo que agora nos parece sofrimento. Basta fazer memora
do evento da Cruz para entendermos que se o grão de trigo que cai na terra não
morrer, permanece apenas grão, mas se morrer, assim produzirá muito fruto[7].
3.3 A TERCEIRA
TENTAÇÃO
A terceira
e última tentação aparece como uma correspondência ao não “amar a Deus com toda
a tua força”. Essa tentação é particularmente interessante por colocar um
aspecto, no mínimo, traiçoeiro. De fato, o Messias é o Rei prometido pelo Pai
às nações, mas Satanás lhe oferece o poder sobre os povos.
Aqui entra
em cena a verdade como critério. De fato, tanto Satanás feriu o coração humano
com o pecado que podemos dizer que, em certa medida, ele tem algum poder sobre
o mundo, pois conduz e propõe estruturas que permitem o pecado e que degradam a
condição humana. O que o demônio pretende e possui é um falso poder, um
arremedo de autoridade, que em nada contribui aos que a ele se submetem. Antes,
a submissão ao seu poder constitui uma inversão da própria condição natural do
homem. Isso fica claro quando lemos que a proposta é que se proste diante dele
e que se lhe adore.
O homem foi
feito para Deus e para adorá-Lo. Nesse movimento de reconhecimento de Deus, o
homem reconhece a si mesmo e se ordena em direção ao criado com harmonia e
ordem. Suplantar a adoração a Deus propor-se um outro Deus caracteriza uma profunda animalização do
próprio homem. Isso é facilmente verificável na sociedade: quanto mais o home
se ausenta de Deus, menos somos capazes de distinguir humanidade nas ações do
homem.
O Reinado
de Jesus se expande pela conversão do coração a Deus e à sua verdade. Não é um
plano de poder temporal, mas uma realidade de poder que se estende ao tempo e à
história a partir da subjetividade do crente que vai comunicando os efeitos da
graça redentora de Cristo aos meios seculares. Mas tudo isso só se dá quando a
primazia absoluta de Deus é respeitada.
4. CONCLUSÃO
A cena das
tentações trás profundas referências veterotestamentárias de modo que o
acontecimento vivenciado por Jesus e narrado por Mateus contrasta diretamente a
desobediência de Adão e do povo de Israel com a perfeita obediência redentora
de Jesus, o Novo Adão, Primogênito do Novo Israel do Pai.
O paralelo entre
Israel e Jesus se dá pelas semelhanças literárias postas pela Divina
Providência em ambos os fatos: tanto Israel e Jesus são chamados Filhos de Deus
(Mt3,17 / Ex 4,22); ambas as tentações são precedidas por um batismo (Mt
3,13-17/ I Cor 10,1-5); Israel é posto aprova por 40 anos e Jesus por 40 dias e
40 noites; no deserto em que Israel falha por sua não confiança em Deus, Jesus
vence a todas as tentações, aparecendo como aquele que ama a Deus com absoluta
perfeição.
A vitória de Jesus
serve de exemplo, modelo e motivação para a obediência e para o amor a Deus de
todos os cristãos. A vida na terra é, também, uma provação no deserto para o
povo de Deus que caminha para a pátria celeste. No percurso da existência, os
fieis serão provados diversas vezes e em todas elas serão convidados por Deus a
superarem o demônio, a carne e o mundo. Tal realidade visa dar centralidade a
Deus na vida de todo aquele que crê. Contudo, o confronto não é nosso em
primazia, mas de Deus conosco e em nós, pois é amparados pela graça de Cristo
que devemos lutar para permanecer no centro da vontade de Deus.
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