O filósofo alemão Immanuel Kant responde à questão de como é possível o conhecimento afirmando o papel constitutivo de
mundo pelo sujeito transcendental, isto é, o sujeito que possui as condições de
possibilidade da experiência. O que equivale a responder: "o conhecimento é possível porque o homem possui faculdades que o
tornam possível". Com isso, o filósofo passa a investigar a razão e
seus limites, ao invés de investigar como deve ser o mundo para que se possa
conhecê-lo, como a filosofia havia feito até então.
Mas quais são exatamente,
segundo Kant, estas faculdades ou formas a priori no homem que o permitem
conhecer a realidade ou, em outros termos, o que são essas tais condições de possibilidade da experiência?
Em Kant, há duas principais fontes
de conhecimento no sujeito:
- A sensibilidade, por meio da qual os objetos são dados na intuição.
- O entendimento, por meio do qual os objetos são pensados nos conceitos.
Vejamos o que ele quer dizer com isso,
começando pela intuição. Na primeira divisão da Crítica da
Razão Pura, a "Doutrina Transcendental dos Elementos", a
primeira parte é intitulada "Estética Transcendental" (estética,
aqui, não diz respeito a uma teoria do gosto ou do belo, mas a uma teoria da
sensibilidade). Nela, Kant define sensibilidade como o modo
receptivo - passivo - pelo qual somos afetados pelos objetos, e intuição, a
maneira direta de nos referirmos aos objetos.
Funciona assim: tenho uma multiplicidade
de sensações dos objetos do mundo, como cor, cheiro, calor, textura, etc. Estas
sensações são o que podemos chamar de matéria do fenômeno, ou seja, o conteúdo
da experiência. Mas para que todas estas impressões tenham algum sentido e
entrem no campo do cognoscível (daquilo que se pode conhecer),
elas precisam, em primeiro lugar, serem colocadas em formas a priori da intuição, que são o espaço
e o tempo.
Estas formas puras da intuição surgem
antes de qualquer representação mental do objeto; antes que se possa pensar a
palavra "cadeira", a cadeira deve ser apresentada, recebida, na forma
a priori do espaço e do tempo. Este é o primeiro passo para que se possa
conhecer algo.
Assim, apreendemos daqui duas coisas: primeiro, o conhecimento só é possível se os objetos da experiência forem dados no espaço e no tempo; e, segundo, espaço e tempo são propriedades subjetivas, isto é, atributos do sujeito e não do mundo (da coisa-em-si).
Assim, apreendemos daqui duas coisas: primeiro, o conhecimento só é possível se os objetos da experiência forem dados no espaço e no tempo; e, segundo, espaço e tempo são propriedades subjetivas, isto é, atributos do sujeito e não do mundo (da coisa-em-si).
ESPAÇO E TEMPO:
Espaço é a forma do sentido
externo; e tempo, do sentido interno. Isto é, os
objetos externos se apresentam em uma forma espacial; e os internos, em uma
forma temporal. Como Kant prova isso? Pense em uma cadeira em um espaço
qualquer, por exemplo, em uma sala de aula vazia. Agora, mentalmente, retire
esta cadeira da sala de aula. O que sobra? O espaço vazio. Agora tente fazer
contrário, retirar o espaço vazio e deixar só a cadeira. Não dá, a menos que
sua cadeira fique flutuando em uma dimensão extraterrena.
E o tempo? Ele é minha percepção
interna. Só posso conceber a existência de um "eu" estando em relação
a um passado e a um futuro. Só concebemos as coisas no tempo, em um antes, um
agora e um depois. Voltemos ao exercício mental anterior: podemos eliminar a
cadeira do tempo - ela foi destruída, não existe mais. Porém, não posso
eliminar o tempo da cadeira - eu sempre a penso em uma duração, antes ou
depois.
A conclusão é de que é
impossível conhecer os objetos externos sem ordená-los em uma forma espacial
- e de que nossa percepção interna destes mesmos objetos fica
impossível sem uma forma temporal.
Além disso, espaço e tempo preexistem
como faculdades do sujeito - e, portanto, são a priori e universais -
quando eliminamos os objetos da experiência. Por isso, segundo Kant, espaço e
tempo são atributos do sujeito e condições de possibilidade de
qualquer experiência.
AS CATEGORIAS:
AS CATEGORIAS:
Na segunda parte da "Doutrina Transcendental
dos Elementos", a "Analítica Transcendental", Kant analisa os conceitos
puros a priori do entendimento, pelos quais representamos o objeto.
Vamos rever o esquema do conhecimento,
antes de avançar. Temos objetos no mundo, que só podemos conhecer como fenômenos, isto é, na medida em que
aparecem para o sujeito. Fora do sujeito, como coisa-em-si, estão fora do
alcance da razão.
Mas, para serem fenômenos, estas coisas
precisam, antes de tudo, aparecer no espaço e tempo, que são faculdades do
sujeito. Vejo uma árvore. Esta árvore eu vejo em suas cores e formas, que são
as sensações deste objeto. Estas sensações são recebidas e organizadas pela
intuição no espaço e no tempo. Esta é a primeira condição para o conhecimento.
O segundo momento, depois de o sujeito receber o objeto na intuição, na sensibilidade, pela faculdade do entendimento ele reunirá estas intuições em conceitos, como, por exemplo, "Árvore" ou "A árvore é verde". Esta é a segunda condição para o conhecimento.
O segundo momento, depois de o sujeito receber o objeto na intuição, na sensibilidade, pela faculdade do entendimento ele reunirá estas intuições em conceitos, como, por exemplo, "Árvore" ou "A árvore é verde". Esta é a segunda condição para o conhecimento.
Os conceitos básicos são chamados de categorias,
que são representações que reúnem o múltiplo das intuições sensíveis.
As categorias, em Kant, são 12:
1.
Quantidade: Unidade, Pluralidade e Totalidade.
2.
Qualidade: Realidade, Negação e Limitação.
3.
Relação: Substância, Causalidade e Comunidade.
4.
Modalidade: Possibilidade, Existência e Necessidade.
São formas vazias, a serem preenchidas
pelos fenômenos. Os fenômenos, por outro lado, só podem ser pensados dentro das
categorias.
Em Hume,
a causalidade - relação de causa e efeito - era um hábito, uma ilusão. Já para
Kant, Hume estava errado em procurar a causalidade na Natureza. Só podemos
pensar as coisas em uma relação de causa e efeito porque a causalidade está no
sujeito, não no mundo. Uma criança vê uma bola sendo arremessada (causa) e olha
na direção de quem atirou a bola (efeito). Como a criança liga um fato com o
outro? Porque ela possui, a priori, a categoria de causalidade, que a permite conhecer.
Chegamos, portanto, a uma síntese
que Kant faz entre racionalismo e empirismo. Sem o conteúdo da
experiência, dados na intuição, os pensamentos são vazios de mundo
(racionalismo); por outro lado, sem os conceitos, eles não têm nenhum sentido
para nós (empirismo). Ou, nas palavras de Kant: "Sem sensibilidade nenhum objeto nos seria dado, e sem
entendimento nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios,
intuições sem conceitos são cegas."
Mas, o que são os juízos de que Kant
fala?
Um conhecimento que seja totalmente
independente dos sentidos é chamado a priori. São, por exemplo, equações matemáticas,
que posso fazer mentalmente sem me apoiar em qualquer evidência material. Um
conhecimento que possui sua fonte na experiência é dado a posteriori,
como as leis da física clássica, que necessitam de testes práticos para serem
comprovadas.
Quando emito um juízo em que o predicado
está contido no sujeito, ele é chamadojuízo analítico. Por exemplo, quando digo "Azul
é uma cor", o predicado "cor" já é uma qualidade do sujeito
"azul" e a informação, por isso, é redundante. Mas quando faço um
juízo em que um predicado é acrescentado ao sujeito, ele é chamado sintético.
Por exemplo, na frase "A cadeira de minha sala é azul", acrescento ao
sujeito "cadeira de minha sala" o predicado "azul" (afinal,
ela poderia ser verde, vermelha, etc.). É uma informação nova, pois você
poderia imaginar que a cadeira fosse de qualquer outra cor.
Todos os juízos da experiência são
sintéticos, uma vez que, para obter um juízo analítico, não é preciso sair do
próprio conceito, isto é, recorrer à experiência (não preciso sair de
"azul" para saber que é uma cor, mas preciso ver a
"cadeira" para saber de que cor ela é).
Sujeito transcendental
Kant chamou de "revolução copernicana" sua resposta ao problema do
conhecimento. O astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543) formulou a teoria heliocêntrica - a
teoria de que os planetas giravam em torno do Sol - para substituir o modelo
antigo, de Aristóteles e Ptolomeu, em que a Terra ocupava o centro do universo,
o que era mais coerente com os dogmas da Igreja Católica.
Como pode ser constatado pela observação
direta, o Sol se "levanta" e se "põe" todos os dias, o que
tornava óbvio, aos antigos, que a Terra estava fixa e que os astros giravam em
torno dela. Copérnico demonstrou que este movimento é ilusório, porque, na
verdade, a Terra é que gira em torno do Sol.
Kant propôs inversão semelhante em
filosofia. Até então, as teorias consistiam em adequar a razão humana aos
objetos, que eram, por assim dizer, o "centro de gravidade" do
conhecimento. Kant propôs o contrário: os objetos, a partir daí, teriam que se
regular pelo sujeito, que
seria o depositário das formas do conhecimento. As leis não estariam nas coisas
do mundo, mas no próprio homem; seriam faculdades espontâneas de sua natureza transcendental. Como Kant afirma no prefácio da segunda
edição da Crítica da Razão Pura:
"Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regular
pelos objetos; porém todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo
a priori sobre os mesmos, através do que ampliaria o nosso conhecimento,
fracassaram sob esta pressuposição. Por isso tente-se ver uma vez se não
progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que
se regular pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a requerida
possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo
sobre os mesmos antes de nos serem dados."
O que Kant quer dizer é que o sujeito
possui as condições de possibilidade de conhecer qualquer coisa. Ele possui as
regras pela quais os objetos podem ser reconhecidos. Não adianta buscar essas
regras no mundo exterior, pois se cairia no problema de Hume. O mundo não tem sentido a não ser que o homem
dê algum sentido a ele. O que conhecemos, então, é profundamente
marcado pela maneira - humana - pela qual conhecemos.
O computador no qual escrevo, a janela
do escritório que me permite ver todas as coisas do mundo, tudo isso é matéria
de conhecimento não porque exista um Deus que me faculte entender as leis dos
objetos por meio da razão (como no caso de filósofos racionalistas) ou porque
estes objetos sejam imprimidos em minha mente pela percepção (empirismo), mas
porque eles são capturados por formas lógicas no sujeito.
COISA-EM-SI
Mas ao voltar o foco para o sujeito que
conhece, que "constrói" o mundo, é bloqueado todo pretenso acesso à
essência dos objetos do mundo. Só temos acesso às coisas enquanto fenômenos para uma consciência. O que
a realidade é, em si mesma, o que Kant chama de coisa-em-si, não é matéria
de conhecimento humano, sendo, portanto, incognoscível (aquilo que não pode ser conhecido).
A coisa-em-si não pode ser conhecida mas
pode ser pensada, desde que seja contraditório (conhecer, em Kant, diz respeito
ao que é possível de ser objeto da experiência).
Três objetos de estudo da metafísica
podem ser pensados mas não conhecidos:Deus,
a imortalidade da alma e
a liberdade. Deus e a alma
não podem ser conhecidos porque não aparecem como fenômenos no espaço e no
tempo. A liberdade, porque contraria o princípio de causalidade: liberdade é
aquilo que não tem causa, e o que é absolutamente livre não pode ser matéria de
conhecimento. São, no entanto, postulados para a ética de Kant, da qual não
trataremos neste artigo.
A filosofia crítica de Kant consiste,
desta forma, em impor à razão os limites da experiência possível. O filósofo
alemão pretende, com isso, fornecer rigor metodológico à metafísica, livrando-a
de seu caráter dogmático e trazendo-a para o rumo seguro da ciência. Este
método que analisa as possibilidades do conhecimento a priori do sujeito,
dentro dos limites da experiência, é chamado de transcendental.
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