A Memória Como Experiência De Deus No Antigo Testamento:
Pentateuco e Livros Históricos
1.
INTRODUÇÃO
Já dizia São
Jerônimo que conhecer as Escrituras é conhecer Cristo, e que ignorá-las, é,
também, ignorar ao Senhor.
Nesse sentido,
pretendemos fazer um percurso introdutório ao Antigo Testamento, com o corte de
pesquisa para os temas que nos parecem ser os mais necessários de serem
recordados nos dias de hoje, em que a multiplicidade de doutrinas tendem a
obscurecer o único Evangelho de Jesus Cristo pregado pelos Apóstolos.
Com tal
objetivo, vamos recordar o que é a Bíblia e em que contexto cultural ela
nasceu. Estaremos dando por suposto que o leitor tenha clareza de que a
Revelação de Deus se dá pela Tradição e pela Escritura, autenticamente
interpretadas pelo Magistério.
Depois, vamos
precisar o significado de alguns termos centrais na teologia bíblica e que,
justamente por isso, o serão também em todo o desenvolvimento teológico.
Contudo, tal precisão conceitual será realizada em uma leitura transpessoal dos
próprios conceitos, com o objetivo de mergulhar o leitor na experiência do
mistério de Deus que se deixa contemplar ali.
A pretensão
desse pequeno artigo não é a de falar nada novo, pois o autor entende que sua
missão teológica é comunicar aquilo que foi recebido no seio da Tradição da
Igreja. Mas, de provocar um Novo na vida de quem tem contato com essa pequena
obra. Isto é, a partir das indicações e provocações aqui redigidas, que o leitor
se deixe alcançar pela graça e pela verdade, que as busque em sua vida e que,
as tendo encontrado, seja um comunicador das misericórdias do Senhor, como o
fez Maria, a Virgem, Esposa e Mãe.
2. PROCESSO
DE FORMAÇÃO CANÔNICA DO CORPO BÍBLICO: FOCO NO ANTIGO TESTAMENTO
O conteúdo do
que hoje chamamos de Bíblia surge com a história do povo de Israel. Esse povo
cria uma literatura vasta em gêneros, na qual pretende registrar suas
reflexões, sua sabedoria, história e oração. Entretanto, o fundamento do ato produtivo
de escrever não é a mera necessidade de registro, mas, antes, o fato de que o
Deus único caminha com o esse povo, que o elegeu como propriedade sua e que com
ele tece os rumos da história.
Em nível de
contextualização, o povo que chamamos de “Povo de Deus” era, inicialmente, um
grupo de migrantes da Mesopotâmia (Iraque, atualmente) e que eram chamados de hebreus. A origem comum desse povo é a
figura de Abraão, homem chamado por Deus a deixar a cidade de Harã e tomar
posse da promessa de Deus, Canaã (Gn 12, 1ss), em torno do ano 1850 a.C.
A palavra
Bíblia significa “Livrinhos”, pois deriva do grego biblion, que é a palavra “livro”
no diminutivo. O termo “Bíblia” não era
usado no mundo judaico, sendo uma característica do Cristianismo Católico, uma vez
que foi usado pela primeira vez por São João Crisóstomo, no quarto século
depois de Cristo.
Quando falamos
da Bíblia Cristã, estamos falando de um conjunto de 73 livros divididos em duas
partes: Antigo Testamento e Novo Testamento. O vocábulo “Testamento” vem da
tradução grega da palavra hebraica Berit,
que quer dizer “aliança”, “pacto”. Uma observação importante é que esse
conceito será central em todo o desenvolvimento da Revelação de Deus, tanto que
o conjunto dos livros sagrados são divididos em duas narrações interligadas, a
Antiga Aliança e a Nova. Ambas celebradas por iniciativa de Deus e tendo a sua
fidelidade mesmo como suporte; ambas celebradas com sangue, símbolo da vida, no
qual somos imersos na vida de Deus.
Os livros
bíblicos são, então, re-divididos de acordo com sua temática e estilo. Assim
temos:
Livros do Antigo Testamento (46 Livros)
PENTATEUCO (5)
- Gênesis
- Êxodo
- Levítico
- Números
- Deuteronômio
- Êxodo
- Levítico
- Números
- Deuteronômio
HISTÓRICOS (16)
- Josué
- Juízes
- Rute
- I Samuel
- II Samuel
- I Reis
- II Reis
- I Crônicas
- IICrônicas
- Esdras
- Neemias
- Tobias
- Judite
- Ester
- I Macabeus
- II Macabeus
- Juízes
- Rute
- I Samuel
- II Samuel
- I Reis
- II Reis
- I Crônicas
- IICrônicas
- Esdras
- Neemias
- Tobias
- Judite
- Ester
- I Macabeus
- II Macabeus
POÉTICOS E SAPIENCIAIS (7)
- Jó
- Salmos
- Provérbios
- Eclesiastes
- Cântico dos Cânticos
- Sabidoria
- Eclesiástico
- Salmos
- Provérbios
- Eclesiastes
- Cântico dos Cânticos
- Sabidoria
- Eclesiástico
PROFETAS MAIORES (6)
- Isaías
- Jeremias
- Lamentações
- Baruc
- Ezequiel
- Daniel
- Jeremias
- Lamentações
- Baruc
- Ezequiel
- Daniel
PROFETAS MENORES (12)
- Oséias
- Joel
- Amós
- Abdias
- Jonas
- Miquéias
- Naum
- Habacuc
- Sofonias
- Ageu
- Zacarias
- Malaquias
- Joel
- Amós
- Abdias
- Jonas
- Miquéias
- Naum
- Habacuc
- Sofonias
- Ageu
- Zacarias
- Malaquias
Livros do Novo Testamento (27 Livros)
EVANGELHOS (4)
- Evangelho segundo São Mateus
- Evangelho segundo São Marcos
- Evangelho segundo São Lucas
- Evangelho segundo São João
- Atos dos Apóstolos
- Evangelho segundo São Marcos
- Evangelho segundo São Lucas
- Evangelho segundo São João
- Atos dos Apóstolos
EPÍSTOLAS DE SÃO PAULO (13)
- Romanos
- I Coríntios
- II Coríntios
- Gálatas
- Efésios
- Filipenses
- Colossenses
- I Tessalonicenses
- II Tessalonicenses
- I Timóteo
- II Timóteo
- A Tito
- A Filemon
- Hebreus
- I Coríntios
- II Coríntios
- Gálatas
- Efésios
- Filipenses
- Colossenses
- I Tessalonicenses
- II Tessalonicenses
- I Timóteo
- II Timóteo
- A Tito
- A Filemon
- Hebreus
EPÍSTOLAS CATÓLICAS
- Epístola de São Tiago
- Epístola I de São Pedro
- Epístola II de São Pedro
- Epístola I de São João
- Epístola II de São João
- Epístola III de São João
- Epístola de São Judas
- Apocalipse
- Epístola I de São Pedro
- Epístola II de São Pedro
- Epístola I de São João
- Epístola II de São João
- Epístola III de São João
- Epístola de São Judas
- Apocalipse
Os
protestantes não consideram livros bíblicos os seguintes livros: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico,
Baruc, 1 e 2 Macabeus (e partes de Ester e Daniel). Desse modo o Antigo
Testamento dos protestantes tem apenas 39 livros, invés dos 46 da bíblia
católica. O Novo Testamento é idêntico para as duas confissões, sendo composto
por 27 livros.
Os 7 livros
mencionados acima foram escritos em grego (como os livros inspirados do Novo
Testamento), enquanto que todos os outros livros do Antigo Testamento foram
escritos em hebraico. Por isso, embora sendo livros antigos, os judeus não os
incluíram na lista (cânon) de livros que consideram como Sagrada Escritura.
Essa decisão dos judeus foi tomada por volta do ano 100 depois de Cristo, no
Concílio de Jamnia[1]. Os cristãos, ao invés
disso, acolheram esses 7 livros dentro da sua lista de livros inspirados por
Deus.
No tempo da
Reforma, protagonizado por Lutero, no século XVI, os protestantes decidiram
adotar o Antigo Testamento segundo os parâmetros dos judeus e, portanto,
excluíram os 7 livros, embora Lutero ainda os tenha colocado na sua Bíblia,
mesmo sublinhando que não tinham a mesma importância dos outros livros, em um
apêndice ao Antigo Testamento. Contudo, destaca-se aqui a incoerência para o
discernimento: ora, os judeus usaram a regra em Jamnia para invalidar os textos
cristãos, e é esse critério mesmo que Lutero vai usar para estabelecer a
sacralidade dos textos fundamentais da sua proposta bíblica.
Acontece que
desde os séculos III e II a.C., em Alexandria do Egito, havia uma próspera colônia
judaica, que vivendo em terra estrangeira e falando a língua comum (grego),
contava entre seus escritos os supracitados livros que não se encaixavam
nos critérios de Jamnia. Ou seja, os livros deuterocanônicos desprezados por
Jamnia, eram acolhidos nas bíblias judaicas fora da Palestina, chamadas de
versão dos LXX.
É interessante
notar que os Apóstolos e os Evangelistas, ao escreverem o Novo Testamento em
grego, citavam o Antigo Testamento na versão de Alexandria, mesmo quando essa
divergia do texto hebraico, como podemos observar em Mt 1,23 que faz referência
ao texto grego de Is 7,14; ou ainda Hb 10,5, que faz referência ao Sl 39/40, 7.
Foi o texto que se tornou o comum entre os cristãos dos primeiros séculos. Isso
fica evidente no próprio texto sagrado do Novo Testamento em que encontramos
cerca de 350 citações do Antigo Testamento, das quais 300 são da versão dos
LXX.
Ao falarmos,
aqui, de canonicidade, não estamos tratando de uma escolha arbitrária dos
textos que fossem convenientes aos interesses de sua época, mas da reflexão
séria e profunda sobre a verdade da inspiração divina em determinados textos.
Ou seja, daquela iluminação da graça que o Espírito Santo cumulou a mente de
determinados homens (hagiógrafos) para que pudessem, com os dados de sua
cultura religiosa e de seu tempo histórico, transmitir o pensamento de Deus.
Com essa correta contemplação do hagiógrafo, percebemos que o texto bíblico é
um texto divno-humano, isto é, todo de iniciativa e obra de Deus e
todo do homem.
Ora, isso nos
faz perceber também que a finalidade do texto bíblico é religiosa; é a visão
religiosa do coração do homem sobre os fatos que vão se sucedendo em sua vida e
através da qual se revela ao homem o plano salvífico de Deus para a história
universal.
3.
PANORAMA
HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DO POVO DE ISRAEL
A
história de Israel como povo remonta ao ano de 1850 a. C., com Abraão. Este
estabelece sua vida em Canaã e ali cria sua família como fruto das promessas
que Deus lhe fizera. (Gn 22, 17). É a Abraão e a seus descendentes, Isaac (Israel)
e Jacó, a quem chamamos de Patriarcas, isto é, fundadores do povo de Israel.
Com
o passar dos anos, Canaã foi atormentada por uma grave seca e a vida se tornou
muito difícil na região, o que levou Jacó e seus filhos tomarem como decisão
mudar-se para a região do Egito, que, na época, apresentava terras mais férteis
e com maior possibilidade de construção de vida. Essa partida para o Egito era
parte do projeto salvífico de Deus que, em sua providência, tirou da maldade
dos filhos de Jacó a salvação de toda sua família, pois por inveja, os filhos
de Jacó haviam vendido seu irmão mais novo, José, como escravo para
comerciantes egípcios. E será graças a presença de José no Egito que a família
de Jacó encontrará acolhida e oportunidade para crescer e se multiplicar.
Com
a morte de José e com o aumento expressivo de hebreus, os faraós temem a força
que esse povo pode vir a ter e o escraviza sob dura opressão. Dentro deste
contexto, Deus intervém fazendo surgir a figura de Moisés, que será enviado ao
Faraó para providenciar a libertação do povo
Hebreu e para reconduzir esse povo para a terra que Deus lhe prometera
em Abraão.
Contudo,
esse processo de libertação foi um processo difícil e longo, tanto quanto a
dureza do coração do faraó quanto da parte do povo que se mantinha empedernido
diante da Palavra de Deus que se dirigia a ele por meio de Moisés. Desde a
páscoa, se passaram 40 anos até que o povo, tendo atravessado o deserto,
pudesse, enfim, entrar na terra prometida.
Com
a morte de Moisés, quem assume a liderança do povo é Josué, o primeiro dos
Juízes de Israel. Aos poucos, o povo vai tomando posse da região e vai se
organizando em doze tribos, em memória dos doze filhos de Jacó. Esse esquema de
organização se pauta na vontade que o povo tem de viver a fraternidade na
liberdade garantida pela Lei que Deus foi plantando no coração desse mesmo povo
ao longo da jornada no deserto (Ex 20,1- 21).
Inspirado
na experiência política circunvizinha, após diversos ataques de outros povos, o
povo de Israel, em torno do ano 1030 a.C., sob o governo do Juiz Samuel, vai
desejar constituir-se em monarquia, isto é, ter o seu governo centrado na
figura de um rei (ISm 8, 4ss). O primeiro a assumir o trono em Israel é Saul, sucedido por Davi, tido como o maior rei de Israel, e Salomão, em cujo reinado começaram a ser escritos os textos
bíblicos.
Com a morte de
Salomão em 931 aC., o reino é mergulhado em inúmeras tensões políticas e acaba
sendo dividido em dois:
a. O Reino do Norte (Samaria), que não aceita o filho de Salomão como
Rei. Este é o Reino que receberá o nome de Israel, sob o rei Jeroboão I.
b. O Reino do Sul (Jerusalém), que permanece fiel à família de Davi.
Este reino receberá o nome de Judá, sob o rei Roboão.
Ciclos de Dominações
Por
ser uma região central entre a África e a Ásia, a porção de terra em que se
estabelecia o povo de Israel era muito desejada pelas grandes potências da
época, sendo submetida por diversos impérios.
Esses
processos de dominação são vitais para que possamos compreender a evolução
teológica do conceito de revelação e do profetismo no corpo bíblico.
Entre
724 e721 a.C. a Assíria invade o Reino do Norte (Israel) e toma posse daquela
região, destruindo a Capital do reino, Samaria. Os sobreviventes são deportados
para a Assíra. Termina, assim, o Reino do Norte.
Em
torno de 587 a.C., o império da Babilônia vence a Assíria e toma posse do Sul
(Judá), levando boa parte da população de Judá para a capital do Império, onde
permanecerá por 50 anos. Esse é o período que o corpo escriturístico vai chamar
de Exílio.
A
Babilônia, por sua vez, será vencida pelo império Persa em 539 a.C.. Nessa
ocasião, Ciro, o rei Persa, permite que os judeus voltem para sua terra. É aqui
começa a reconstrução do Templo de Jerusalém. Contudo, o povo de Deus nunca
mais teve liberdade política. Assim, Deus vai inspirando e revelando ao povo a
promessa de um rei libertador, um Messias descendente de Davi que libertaria o
povo de Deus da opressão.
4.
CONSTITUIÇÃO
JUDAICA DO TEXTO SAGRADO
Para os judeus, o nosso Antigo Testamento, era designado
com a palavra TANAKH, que é o acróstico de três letras, tav (ת) de Torah (lei),
nun (נ) de Neviim (profetas),
e caf (כ) de Kethuvim (Escritos). A palavra Tanakh é
derivado da junção dessas divisões. O Tanakh é a parte
incontroversa da Bíblia, tanto para o Judaísmo quanto para o
Cristianismo.
Assim formando a palavra: תנ״ך. TANAKH = Toráh (תורה)+
Neviim (נביאים)+ Kethuvim (כתובים).
Ao todo, a Tanakh é composta de 39 livros divididos em suas
três partes:
Torah
Torah (תורה) ou Torá, que
significa Lei, é o nome da primeira parte, que é constituída pelos cinco primeiros
livros da Bíblia, que são Gênesis (Bereshit), Êxodo (Shemot),
Levítico (Vaicrá), Números (Bamidbar) e
Deuteronômio (Devarim). Estes cinco primeiros livros da Bíblia, na
verdade são um só livro, chamado “O Livro da Lei” (em hebraico, Sêfer
Torá), ou simplesmente “A Lei” (Torá), ou “A Lei de Deus”, ou “A Lei
de Javé”, ou “A Lei de Moisés”, ou Pentateuco (em
hebraico, Chumash”).
Neviim
Neviim (נביאים), que significa
Profetas, é o nome da segunda parte da Bíblia, que é constituída pelos livros
de Josué (Iehoshúa), Juízes (Shofetim), 1 Samuel (Shemuel
Álef), 2 Samuel (Shemuel Bet), 1 Reis (Melahim
Álef), 2 Reis (Melahim Bet), Isaías (Ieshaiáhu),
Jeremias (Irmiáhu), Ezequiel (Iehezkel), e “Os
Doze” (Shenem Assar) – Oséias (Hoshêa), Joel (Iôel),
Amós (Amós), Obadias (Ovadiá), Jonas (Ioná),
Miquéias (Mihá), Naum (Nahum),
Habacuque (Havacuc), Sofonias (Tsefaniá),
Ageu (Hagai), Zacarias (Zehariá) e
Malaquias (Malahi).
Kethuvim
Kethuvim
Kethuvim (כתובים), que significa
Escritos, é o nome da terceira parte da Bíblia, que é constituída pelos livros
de Salmos (Tehilim), Provérbios (Mishlê), Jó (Jov),
Cântico dos Cânticos (Shir Hashirim), Rute (Rut),
Lamentações (Echá), Eclesiastes (Cohélet), Ester (Ester),
Daniel (Daniel), Esdras (Ezrá), Neemias (Nehemiá),
1 Crônicas (Divrê HaYamim Álef), 2 Crônicas (Divrê HaYamim
Bet). Estas escritas por David, Shelomô (Salomão), filhos de Corach,
Mordechai, Daniel, Cronistas… Estes escritos abordam os mais diversos assuntos,
referentes a historias do Povo Judeu, amores por Am Israel e ao Shabat,
Sabedoria, louvores, Lamentações, crônica.
5. O PENTATEUCO
Os nomes dos cinco primeiros livros que temos na versão
cristã das Escrituras são de origem grega e devem-se a tradução alexandrina,
também chamada dos LXX. Os nomes estão relacionados aos conteúdos dos livros,
quase como que uma sinopse do conteúdo do livro. Assim temos:
1. Gênesis: o
nome significa “origem”, porque esse livro começa falando da origem do mundo e
do homem em Deus;
2. Êxodo: o nome
significa “saída”, porque trata da saída dos judeus prisioneiros no Egito;
3. Levítico: o
nome significa “dos sacerdotes levitas”, pois apresenta as leis para o culto de
Deus;
4. Números: pois
o livro começa pela história de um recenseamento feito por Moisés no deserto;
5. Deuteronômio:
o nome significa “segunda lei”, pois o livro propõe uma nova apresentação da
lei.
O Pentateuco possui uma importância
histórica, religiosa e moral única, de modo que nenhum outro documento a ele se
compara. Sua proposta mais profunda não é a de contar como a origem do universo
se deu ou de estipular uma ciência histórica, mas sim de mostrar o que e quem é
a origem de tudo o que há e de como esse Deus que todo criou desejou realizar
para si um povo com o qual se relaciona de modo singular.
A Torah é o fundamento da vida e do pensamento
da comunidade judaica, de sua concepção de Deus e do mundo, do homem e da
natureza, da sua própria identidade e das leis que regem a relação do homem com
Deus e com os outros homens. Suas palavras pretendem iluminar e dirigir a vida
religiosa, moral e jurídica dos judeus. O cristianismo, como herdeiro das
tradições judaicas, começa a sua teologia aqui.
Contudo, a experiência cristã dos
textos, não é a de voltar para trás como uma recordação da Lei, mas um “fazer
memória” de como a Lei foi a preparação para que Jesus, a Palavra e a Lei,
viesse redimir os homens e inscrever a Lei do Pai, com o poder do Espírito, no
coração dos homens.
Em uma leitura ampla, podemos dizer que o Pentateuco possui
cinco eixos temáticos:
1. Criação do mundo e do homem;
2. Libertação/ Salvação
3. Aliança;
4. Lei;
5. Promessas.
Os cinco pontos supracitados aparecem com freqüência, em
tom de recordação nos profetas, de meditação nos históricos e de cumprimento no
Novo Testamento. Percebe-se, daí, que a Torah não é apenas o inicio cronológico
da narração bíblica, mas também seu inicio conceitual de reflexão teórica e
salvífica, ou seja, seguindo o modo de revelar-se de Deus, manifesta-se com
Palavras acompanhadas de atos que as Realizam, palavras e ações de Deus
manifestas no tempo da história.
A estrutura do Texto do Pentateuco é mais ou menos a
seguinte:
1. GÊNESIS: compreende duas partes: Gn 1 – 11 e 12 – 50. A
primeira é chamada “pré-história bíblica”, porque apresenta acontecimentos
anteriores à história bíblica, que começa no capítulo 12, com Abraão.
- Deus fez
o mundo e o homem muito bons;
- o pecado
perverteu a beleza original;
- Deus
separa um homem e a sua descendência para serem os depositários da esperança de um Messias
Salvador;
A segunda parte do Gênesis apresenta a história dos
patriarcas Abraão, Isaac e Jacó, mediante os quais Deus vai realizando o seu
plano de salvação e se vai dando a conhecer aos homem.
2. ÊXODO: descreve a saída
do Egito mediante as dez pragas e a celebração de Páscoa (1,1 – 15, 21); a caminhada até o monte Sinai (15,22 – 18,
27); a Aliança e a legislação do
Sinai (19, 1 – 40,38).
3. LEVÍTICO: apresenta coleções de leis relativas ao culto
(1,1 – 10,20) e à santidade do povo (11,1 – 27, 34).
4. NÚMEROS: apresenta leis mescladas com a narrativa da
caminhada do povo no deserto até ás margens do Jordão (1,1 – 36, 13).
5. DEUTERONÔMIO: apresenta cinco sermões de Moisés que
recapitulam a Lei (1,1 – 4,43; 4,44 – 11,32; 12,1 – 28,68; 28,69 – 30, 20; 31,
1-29) e a narração do fim da vida Moisés (31,30 – 34, 12).
No Pentateuco, vemos que, depois do pecado, Deus faz uma
promessa de salvação ao homem: a libertação de todo o pecado e de suas
conseqüências, a derrota do Maligno por um descendente de Mulher que lhe
esmagará a cabeça. Para isso, na chegada do tempo oportuno, Deus mesmo põe em
marcha o seu plano salvífico, constituindo um povo para si e instruindo-o, para
dele fazer brotar Jesus Cristo Senhor.
A lei surge, neste contexto, como elemento que distingue
Israel de todos os povos. Sua Lei não está pautada só na horizontalidade do
outro, mas firma-se na verdade da verticalidade do Totalmente Outro que vem ao
encontro do homem para salvá-lo do pecado. Assim, a Lei é uma educadora que
prepara a humanidade para a acolhida da Lei derradeira, que será o Espírito
Santo derramado no coração do homem.
Contudo, não se deve jamais interpretar a Lei como um
legalismo externo e estéril. Antes, ela é um convite a um relacionamento
intenso e existência com Deus. A Lei é dada aos homens no contexto da Aliança (berit), isto é, no contexto em que Deus
toma a iniciativa de fidelidade, a assume e a eleva em uma extrema intimidade
ao dizer a fórmula matrimonial como forma do pacto que realiza com seu Povo:
“Eu serei o seu Deus; Tu serás o meu povo” (Ex 6,7). A relação em que a Lei é
dada ao povo é uma relação esponsal, o que a configura como um dom de
festividade, não como uma imposição opressora, é mais dom que dever.
Ainda nessa linha de interpretação, vemos que a Lei é uma
pedagoga, na medida em que seus ordenamentos visam fazer com que o homem possa
assumir uma vida mais humana, mais aberta a Deus e ao outro, menos fechada em
si mesmo e menos vítima das imposições instintivas pervertidas pelo pecado
original. Seguir a Lei é trilhar um caminho de vida e para vida plena e feliz,
não só em uma visão escatológica, mas já aqui e agora.
Prova disso é a própria estrutura do decálogo que antes de
todas as ordenanças, exige que o crente entre em relação com o Deus de Israel[2]
(Ex 20,2; Dt 5, 1-6) que atuou no passada para sua salvação e que “é rico em
amor e fidelidade” (Ex 34,6). Essa verdade é tão radical na existência do
homem, que o povo de Israel vai proclamá-la de geração em geração como sendo a
sua identidade: Shemá!!!(Dt. 6, 4-9)
6. FÉ COMO MEMÓRIA,
VIDA COMO HISTÓRIA
O segundo grupo de livros do Antigo Testamento Cristão é o
chamado “Históricos”. Aqui, cabe fazer
uma ressalva de significado. O termo história, entendido como ciência, é um
elemento próprio do período moderno. Na antiguidade, quando se falava de
“contar a história”, não se pensava em rigor científico de descrição dos fatos
com imparcialidade, mas em uma característica de contar os fatos de modo
artístico para que estes ficassem gravados na memória e fossem conhecidos de
todos.
Os livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1e 2 Reis foram
escritos pela mesma escola de escribas que produziram o Deuteronômio, assim,
percebemos como na narrativa desses livros o tema da Lei e da fidelidade a ela
é contemplado de modo muito concreto nas decisões dos personagens e de como
essas decisões os aproximam de Deus e da felicidade quando seguem a direção da
Torah, ou os encerram em tristeza e amargura pelo afastamento da Lei e,
conseqüentemente, de Deus.
Uma outra característica desse grupo textual é a
compreensão da missão do homem de Deus em meio a vida política e social de
Israel. Nesse período, o povo é convidado a deixar-se dirigir em todas as
esferas de sua vida pública pela Palavra de Deus transmitida pelos profetas.
Nesse sentido, surge a figura do “rei segundo o coração de Deus” (Davi) que
deve administrar a Terra prometida por Deus para o bem de todos (Dt 15,4-11).
Essa terra é expressão da Aliança de Deus com seu povo, se o povo a perde e é
conduzido ao exílio, é justamente por conta de ser infiel à aliança celebrada
com Deus.
Os livros históricos nos relembram que Deus faz o caminho
da vida com o seu povo, que nada lhe é estranho, mas que Ele mesmo se interessa
por cada um dos detalhes da vida pessoal e comunitária dos seus. Assim, olhar
para trás é ver o que Deus realizou em sua fidelidade, certos de que Ele não
muda e que, se operou ontem por amor aos seus, hoje fará o mesmo por amor a
nós.
Na fé de Israel, o conceito de memória é algo único e de
extrema importância na vida do crente. Contudo, não estamos falando de memória
no sentido de registro mental de fatos, mas sim de aprender, sempre mais e de
novo, a recordar, em uma atitude de fé, para discernir o mistério da presença
de Deus que se esconde nas circunstancias da história e da própria vida do
crente.
O homem nasceu para recordar. É na faculdade da memória que
as experiências da pessoa vão sendo entendidas e integradas a fim de enriquecer
e revelar, progressivamente, a identidade do sujeito, sempre mais convidada
pela existência a desenvolver-se no tempo. É um atributo próprio da memória
conservar a perfeição que vai sendo adquirida e conquistada com o tempo.
Assim, nos livros históricos contemplamos como a memória é
a faculdade decisiva para realizar a viagem da vida, a viagem que conduz a
Deus. Como Deus mesmo vai constituindo a história como mestra da pessoa e como
a história pessoal vai se tornando morada do mistério.
O crente, ao fazer memória, constrói o seu passado, entendendo
o seu significado profundo e radical, interpretando-o e reinterpretando-o de modo criativo e
coerente; sem leituras superficiais e sem sofrimentos estéreis ou resignações
passivas, mas carregando-o de sentido e de conexões significativas internas, que
vão confirmando e enriquecendo o sentido geral da vida.
Ao professar a fé no Deus de Israel, o sujeito individua o
significado da sua vida e morte. Ao fazer memória, consegue entender o
significado de cada acontecimento ou descobrir em cada acontecimento a sua
lógica existencial; é ter encontrado o cordão que liga e mantém unidos todos as
fragmentos do viver, tais como as contas de um Rosário, e cuja ponta está na
mão do Deus Fiel. Desse modo, o israelita piedoso acredita recordando a ação de
Deus na história de Israel e recorda acreditando na fidelidade de Deus que não
muda. É essa memória que Moisés recomendou inúmeras vezes que o povo não
perdesse, que está na base do Shemá e
da Páscoa, isto é, uma memória que
não se volta para o passado de modo exclusivo, mas se projeta rumo ao futuro,
pois a memória não é apenas crônica de eventos que se foram, mas um
acontecimento na história da salvação que produz efeitos redentores aqui e
agora, renovando, em cada hoje da história, seu significado e eficácia.
7. CONCLUSÃO
A Sagrada Escritura demorou quase dois milênios para chegar
a sua atual configuração, tanto textual quanto canônica. Ela recebeu diversos
autores, revisores e camadas redacionais nos textos que foram declarados
inspirados, o que levou em conta o fato de que Deus se utiliza desses
contingências no tecer de sua providência.
Desse modo, a história de Israel foi sendo compilada e
significada pela mão de Deus que, tal qual pastor, foi conduzindo seu povo ao
conhecimento de si mesmo e do Deus Fiel da Aliança que ia estabelecendo sua
morada no meio deles por intermédio dos diversos acontecimentos, em uma
pedagogia profunda e paciente.
Ao contemplar, dentro deste contexto, os livros do
Pentateuco e os Livros que compõe o bloco “Históricos”, percebemos que dentro
dessa imensa diversidade de pessoas e de anos, o Espírito Santo foi zeloso em
conservar a unidade de toda a Escritura em seu projeto salvador, que é dar a
conhecer Jesus, o Cristo, que nos leva à comunhão com o Pai, no Espírito.
Desde o começo do texto Sagrado, vamos vendo como
paulatinamente os conceitos centrais do cristianismo vão sendo cunhados e vão
recebendo significados que brotam mais da vida que de elucubrações, mais da
história vivida que da mesa do escriba, mais do coração de Deus que da capacidade
imaginativa do homem.
Assim, o conhecimento teórico e espiritual desses textos
não é apenas um novo dado ao conjuntos de dados culturais que temos, ou apenas
um conhecimento ético normativo antigo. Antes, é a percepção da fidelidade de
Deus que se inclina para se dar a conhecer e, nesse conhecimento de amor, nos
salvar.
8.
BIBLIOGRAFIA
ANTONIAZZI, Alberto. ABC da Bíblia. São Paulo: Paulus, 1982.
Um
livreto introdutória ao mundo bíblico, com linguagem muito acessível, porém um
pouco refém da teologia dominante da época (Libertação), mas que serve de vademecum.
BAZAGLIA, Paulo. Primeiros Passos com a Bíblia. São Paulo:
Paulus, 2001.
Excelente
introdução histórica ao mundo bíblico, com linguagem acessível e um embasamento
teológico sadia, apesar de muito simples.
BETTENCOURT, Estevão. Curso Bíblico: Mater Ecclesiae. Rio de
Janeiro: Letra Capital, 2011.
Um
manual preciosíssimo para todos os que desejam estudar a Sagrada Escritura com
profundidade e de acordo com o método histórico-crítico proposto pelo
Magistério recente.
CENCINI, Amedeo. A
árvore da vida: proposta e modelo de formação inicial e permanente. São
Paulo: Paulinas, 2007.
CNBB. Bíblia Sagrada. São Paulo: Canção Nova, 2013.
Uma
preciosidade para os brasileiros, quer pela tradução acurada, quer pelas notas,
mapas e referências. Além disso, apresenta o texto da “Dei Verbum” na íntegra e
excelentes introduções aos blocos de livros e a cada livro em particular.
FLORES, José H. Prado. História da Salvação. São Paulo:
Loyola, 2000. (Col. Kerygma; 10)
Um
bom apanhado história da Salvação feito em leitura transpessoal, o que conduz o
crente a um posicionamento existencial ante o mistério da Salvação em si mesmo e de sua salvação pessoal em Cristo.
LÓPEZ, Féliz Garcia. Trad. Alceu
Luiz Orso. O Pentateuco: introdução à leitura
dos cinco primeiros livros da Bíblia. São Paulo: Ave-Maria, 2004. (col.
Introdução ao Estudo da bíblia; 3a)
Coleção
excepcional para interiorização do estudo bíblico, com uma linguagem técnica
teológica e profundamente aberta para a discussão de diversas escolas
hermenêuticas.
[1]
O Concílio de Jamnia
teria sido proposto com a finalidade de dar um rumo para oJudaísmo, após a destruição do
Templo de Jerusalém, no ano 70 d.C., e o advento da propagação da seita de Jesus Nazareno, cujos textos de seus
célebres seguidores já estavam se popularizando como Escrituras Sagradas.
Assim, nesse concílio regional, os participantes teriam decidido, sob pretexto
de desabonar as letras cristãs, considerar como textos canônicos do Judaísmo
apenas aqueles cujos originais tivessem sido compostos em língua hebraica, dentro dos limites da Terra Santa e que, no mínimo, remontassem ao tempo do
profeta Esdras. Tais critérios canônicos, portanto, invalidavam para esse grupo
não apenas os textos cristãos venerados pelas comunidades cristãs – visto que
não eram, evidentemente, contemporâneos a Esdras, nem tinham sido compostos em
hebraico, sendo que alguns foram elaborados fora das muralhas de Jerusalém.
Apesar de a crítica moderna afirmar que vários livros que constam no cânon
hebraico são posteriores ao tempo de Esdras (como é o caso do Livro de Daniel,
Crônicas, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes), os estudiosos explicam que os
fariseus não dispunham do método científico que existe hoje para datar uma
obra, ou mesmo para atribuir-lhe autoria.
[2] Cf. Bento XVI. Deus Caritas est. N° 1.